quinta-feira, 21 de junho de 2018

Metade

Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo. 
Drummond.

"Sua construção frasal é muito boa, permite narrativas longas. Já pensou em escrever um romance?"
A mulher é arrancada do transe em que se encontrava enquanto fazia, mecanicamente, a leitura de seu conto para a turma.
Ali, sentada em um semi-círculo numa sala cheia, ela vive a expressão máxima da ideia de que é possível estar em meio a uma multidão e, ainda assim, sentir-se só. 
A solidão, ao contrário do vazio, é habitada, ruidosa, inquietante; povoada pela louça suja na pia, pela barata morta perto do ralo do banheiro, pelo livro não lido na estante, o trabalho que não sai, a carteira desabastada, pelo amor que se foi e por aquele que teima em não nascer.
(Transe. Transa)
Ela segurava um fórceps tentando induzir o parto de uma gestação que nunca existiu. Não se concebe amor sozinha, é preciso um par.
(Par.)
Ela está na cama - a mesma em que protagonizaram um ato conhecido como fazer amor, mas que raras vezes tem a ver com amor de fato -, em suas mãos, um livro. Finalmente encontra alguma paz, alguma ressonância, uma presença corporificada nas palavras daquela desconhecida. Só uma mulher é capaz de acolher a alma de outra.
As palavras a carregam no colo e ela agora é capaz de enfrentar seus fantasmas ao invés de apenas deixar-se oprimir por eles. Estão cheios de restos de comida, impregnados pelo cheiro do inseticida ou pela tinta dos carimbos que pintam o papel de burocracias e prazos, demandando uma dedicação que seu cansaço a impede de dispor. 
Ao olhá-los nos olhos, embalada pelo som da poesia, a dor vira melancolia e a solidão ruidosa, um vazio tranquilo. 
A cabeça, pesada, despenca sobre a fronha acetinada do travesseiro e a mulher se entrega a um torpor irresistível e dorme um sono sem sonhos.
***
Acorda de sobressalto, no caderno uma poça de baba, levanta a cabeça, limpa a boca com a manga da blusa e encara o mediador da oficina de escrita criativa, refletindo sobre a possibilidade de construir narrativas mais longas.  



domingo, 21 de maio de 2017

Beija-flor


Lá fora, pela janela, há um beija-flor morto.
Olhando o beija-flor Marina é transportada para a noite anterior.
Está chovendo, ela desce do ônibus e pragueja: o guarda-chuva não quer abrir.
É o ponto em frente à igreja referência do bairro há bem mais de 50 anos.
Igreja onde a mãe de Marina se casou, onde a moça se crismou, onde, nos momentos de dificuldade, via-se prostrada ao altar. Senhor do Bonfim.
Virando a esquina, em frente à banca de jornal, há um corpo, pequeno, na chuva, protegido por policiais.
Ao lado de Marina uma mulher anuncia: “É um menino de 7 anos, foi atropelado, recebi a mensagem no grupo da igreja na rede social”. Senhor do Bonfim.
Marina se lembra de, ainda menina, estar na companhia da avó assistindo à missa no domingo. Àquela altura ainda não havia pensado na morte mesmo que – hoje sabe – logo que nascemos já começamos a morrer, a cada ausência materna, a cada choro não atendido. Estar ausente é como estar morto.
Marina não tinha mais notícias disso, senão no inconsciente, porque a imagem no altar apagava todas as angústias, era o pai todo poderoso que seu pai humano nunca pôde ser. Dizem que para a criança o pai é sempre um herói...
Hoje Marina sabe que não existem heróis e que Deus é, na verdade, uma necessidade pra quem tem a barriga vazia e um luxo pra quem aplacou a fome, mas sabe que toda sorte é passageira.
Mesmo assim ela se pergunta se aquele corpo no chão, se aquele menino tinha um herói. A mulher emenda: “É desses moleques que ficam aí pelas ruas.”
É um vir a ser, Marina pensa. Alguns diriam: futuro marginal em potencial.
Mas ela sabe apenas que ele é um vir a ser que, no entanto, nunca será.
Morto ao lado da igreja Senhor do Bonfim, teve seu fim – que de bom não tinha nada – aquela pobre criatura que nunca seria nada além de uma potência desperdiçada, um pequeno corpo cuja fascinante energia vital se dissipou, beija-flor.
Do outro lado da janela o pássaro que não beijará mais flor alguma é contemplado por Marina.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O normótico




Valter era um sujeito... adaptado. Perto dele eu me sentia meio doente. Enquanto minha cabeça sempre estava a milhão, Valter parecia não ter questões, não reivindicava nada, não brigava, nunca parecia incomodado.

Quase nunca tinha algo a dizer e quando tinha, vinha repleto de frases feitas. Enquanto eu, neurótico, louco, vivia insatisfeito, sempre reclamando do chefe, da mãe, da correria de São Paulo, do trabalho longe pra burro, do cansaço... sempre choramingando por não ter um carro, um apê, uma namorada... na verdade, meu problema é ausência.

Valter não parecia sofrer deste mal... nunca dizia que a vida estava ruim, nem festejava por estar boa. Alguns diriam: Eis um cara acomodado. Eu diria: será que ele não sente falta de nada? Tudo o que eu queria era encontrar "buracos" no Valter.

A verdade é que o cara me intrigava, ele era um grande mistério. Era difícil advinhar o que o sujeito estava pensando, duro até mesmo saber se ele gostava de mim.

Além de tudo, ele era um cara calado. Parecia que não fazia planos, que não pensava no futuro. Trabalhar, trabalhava, mas fazia isso mecanicamente. Quando eu lhe perguntava qual era a sua maior ambição, Valter respondia: "ganhar dinheiro". (Me diga, dinheiro pra quê?) Embora dissesse que queria uma vida financeira melhor, não se movimentava em direção a isso... Ao contrário, se fazia algum esforço (coisa que eu duvido) era para ficar onde estava.

Às vezes eu me perguntava se Valter não mudava por medo de não gostar do que poderia encontrar lá na frente... ou se o medo era outro: não queria mudar, pois tinha medo de que as pessoas rejeitassem aquilo que ele se tornaria. Mas isso é só uma hipótese, como disse, a cabeça deste homem era totalmente inacessível para mim. Eu nem mesmo sabia se ele se importava com tudo isso. Então o analisava a partir de minha própria lógica... é claro que isso só tornava as coisas ainda mais confusas para mim.

Quando a gente pára de desejar é a morte, eu pensava. É isso, Valter era um morto-vivo, não esboçava qualquer desejo, nada parecia impulsioná-lo adiante. Devo admitir que sintia um pouco de inveja do Valter, porque ele não sofria. Pelo menos, não parecia sofrer. Desejar é doloroso que só! Meu amigo simplesmente se contentava com o que o mundo dava a ele. Aliás, em uma coisa Valter era muito bom: respeitava regras como ninguém. Não ultrapassava farol vermelho, nem xingava a mãe dos outros.

Por vezes, eu até vislumbrava resquícios de anseio no Valter. De início, sempre que algo não ia bem, ele até parecia um pouco descontente, mas não se revoltava, não reclamava e logo depois tudo se normalizava, e desaparecia qualquer esboço de insatisfação. Voltava, o normótico.

Não sei se você conhece o Valter, mas eu tenho quase certeza de que pode imaginá-lo. E quanto a mim? Não tenho nem palavras para ilustrar o desconforto que era lidar com esta figura... nada que eu possa dizer lhe fará ter a mínima noção do que é estar em minha pele. Logo eu, um cara que vive com a cabeça a milhão... dando voltas e voltas em torno de mim mesmo. Repetindo, repetindo os mesmos erros numa ânsia desesperada de finalmente acertar... Logo eu, um cara louco de pedra, cheio de vontades. Vontades que fogem ao meu controle, coisas que não posso ter, mas desejo.

Isto tudo é uma doidera... como um cara assim poderia me causar tamanho impacto? Eu aqui questionando a minha própria sanidade quando, na verdade, quem deveria se questionar era ele! Olha só, eu de novo fazendo a minha leitura particular do mundo. Do mundo do outro...

Descobri enfim porque o Valter me incomodava tanto, porque ele me fazia sofrer e, ao mesmo tempo, porque me facinava tanto... ora, tão simples: é porque eu sou eu e ele é o Valter. Tão inatingível, tão estranho... tão Valter!!!

E tão... completo (?) Ah, como eu queria ser como o Valter!

Talvez o maior incomodo seja justamente o fato de, lá no fundo, não ser tão diferente assim.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Sem rumo




Levantou-se, dirigindo-se à janela. Debruçou-se no batente, olhando para o nada.
O céu estava branco como naquelas manhãs em que tanto o sol, quanto a chuva se escondem.
Lembrou-se de um certo autor aclamado que escreveu sobre uma tal cegueira branca. Imaginou que ela devia ser parecida com isso. Sus-pirou...
Fechou a janela e caminhou de volta à cama. Sentou, chorou. Calçou os sapatos e, sem se importar por ainda estar usando pijamas, abriu a porta. Primeiro a do quarto, depois a da sala, depois o portão de casa.
E ganhou as ruas, estranhamente claras, caminhando com pressa.
A cada novo passo, mais valocidade impelia à caminhada, andando com vigor quase desesperado sem saber, no entanto, aonde queria chegar.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A saída

Esta manhã notei que há muito tempo não sonhava. A ficha ainda não caiu muito bem, mas o medo e o vazio já começam a bater na porta. Apesar de alguns dizerem que é o começo, outros o meio, é, na verdade, o fim das coisas o momento mais complicado, mas também o mais libertador.
Hoje acordei às 10:15 com o despertador tocando. É claro que não precisava, mas acho que há anos não sei o que é acordar espontâneamente. Mal acordar e já enfrentar a correria da cidade, o mundo todo despertando e se dirigindo para o trabalho (como zumbis). A imensa maioria triste, insatisfeita, cansada. Eu estava cansada.
Que bom atualizar o anti-vírus, encontrar de novo as páginas azuis do orkut, marcar consulta médica para o horário que bem entender. Que bom abrir o Word e voltar a escrever, ir de van pra faculdade, não perder mais aulas, nem chegar atrasada. Que bom poder de novo ser eu. Poder de novo pensar e sentir como eu. Não como máquina, não como assalariada. O trabalho cega, sufoca, aliena. Marx estava coberto de razão. É uma pena que nem todos o conheçam. Se conhecessem, talvez fossem capazes de enxergar o problema. Talvez tivessem força para vencer o medo, para ser subversivo. Talvez não.
Me dê apenas um motivo para fazer o que não gosto em troca de dinheiro.
Não havia mais motivos. E fiz a minha escolha. Agora aproprio-me de novo de mim mesma. Estou novamente livre para pensar! Posso agora dormir sem ter hora para acordar. E partir de agora, quem sabe, possa voltar a sonhar.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

.



Amor, onde estou?
Perdi-me na complexidade de ti, na complexidade do mundo, na complexidade de mim.
Amor, a vida é um sonho afinal, e a gente nem se dá conta.
Às vezes é pesadelo e a gente sente.
Raras vezes é felicidade, amor. E a gente sente também.
Somos só sentimento, (sem) sentido. Sem.
E quando não sente, endurece, perde a ternura...
Emudece.
A tinta seca.
E a gente vai deixando a vida levar (sem poder viver)...
A finalidade é simplesmente existir.
Quero, no final, o epitáfio mais correto:
"Aqui jaz alguém que existiu"
Produziu?
Pensou?
Sorriu?
Chorou?
Amou...?
O que tenho (temos) feito...
O que fiz(eram) de mim...
O que (você) faz comigo...
E como a vida se faz... (é por nós, é de nós)
Uma questão de significantes. De "o que", "como", "quando", "por que".
Oh meu Deus, isso é tão humano!
E para a existência tanto faz, ela é auto-explicativa e está acima de qualquer significado.

*

"Às vezes ouço o vento passar, e só de ouvir o vento passar, já vale a pena ter nascido."
(Fernando Pessoa)


quinta-feira, 11 de março de 2010

Conclusões de um eremita IV



A verdadeira alegria acontece naquele raro e efêmero instante em que você se dá conta de que, por si só, viver vale a pena.



quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O que era poesia, virou prosa

"Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!"

(Fragmento do poema "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu)






Hoje retornei ao lugar onde cresci
A fachada ainda é a mesma,
Mas foi com outros olhos que a vi
Olhos virulentos, infectados pela adultez
que torna tudo meio embaçado, fora de foco, irreal...
Já na portaria encontrei um dos homens
que mancham de preto a paisagem
E pude sentir o pesar de ser impedida de entrar em casa
Pesar e não revolta porque no fundo eu sabia
que aquele não era mais o meu lugar
Mas, na verdade, ele não me impediu
Eu é que pedi permissão para entrar
Assumi minha condição de visitante (não sem dor)
Não preciso dizer que não havia espaço
Para os homens de preto no lugar onde eu cresci
Aliás eles contradizem todas as significações
daquele lugar
(Têm mais a ver com a vida de agora)
E eu ainda peço permissão!
Quando eles chegaram sim, eu me senti afrontada,
eram intrusos em minha casa
Mas hoje não
Hoje eu era a intrusa,
Uma intrusa que se orgulhava de um dia
Ter sido a dona.
Assim eu cruzei o portão,
Olhei cada árvore,
Analisei cada espaço,
Estava tudo tão diferente
E ao mesmo tempo tão igual
Diferente porque, primeiro, estava vazio
E porque algumas coisas estavam fora do lugar
E igual porque as imagens
Eram exatamente aquelas imagens de minha lembrança
Verdes, muito verdes!
Os tons quentes eram provenientes dos raios de sol
(Não me lembro de dias chuvosos no lugar onde cresci)
Acho até que a vida era mais colorida
naquela época
E a cor que predominava era o verde
Continuei a passos lentos,
Pela primeira vez em muito tempo
Eu não estava com pressa.
Subi degrau por degrau
Ao invés de subir pelo estacionamento,
Visitei cada ambiente, vi avisos no quadro
E artes nos murais
Vi fotos nos painéis e pensei.
Pensei que é tudo uma questão de tempo.
Sabe-se lá quando não haverá mais espaço
para a minha foto no painel...
Lembrei das manhãs, das tardes
E das noites de lá, tão diferentes da noite de hoje
Lembrei dos rostos
E de cada sorriso estampado neles
E do gramado sempre cheio de crianças
(Eram crianças e não sabiam!)
E das pessoas que recebi dizendo:
"Este lugar é mágico! Aproveitem cada minuto.
Três anos passam pelo buraco de uma agulha
e quando se derem conta, o tempo acabou."
Acabou a chance de ser criança.
O lugar onde eu cresci, meus caros,
não é uma cidadezinha, uma rua, ou uma casa
O lugar onde eu cresci é uma escola
A melhor, a mais fantástica
A inefável escola onde eu,
premiada tal qual o felizardo ganhador de loteria,
pude viver
Disse viver, não estudar.
Onde eu pude encontrar a mim mesma
(ou a várias "mim mesmas")
antes de me tornar o que sou agora
O lugar onde eu aprendi que família é aquela que a gente escolhe.
Lá, na minha bolha particular,
Na minha zona de conforto
Eu soube o que era felicidade
Ali eu estava protegida dos perigos do mundo
Meu universo paralelo,
Meu lugar ideal...

Hoje eu retornei ao lugar onde cresci
Mas foi com outros olhos que o vi
Olhos de estranha
Olhos de saudade.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Conclusões de um eremita III



"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é"
Eu sei mais da dor.


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Com Tudo

Contudo, todavia, entretanto a exceção à regra. Metáfora, desde o instante de outrora em diante. Estamos fadados à contradição. Somos o dito e o não dito, somos silêncio e som, como diria Lulu. Vírgula, ponto e principalmente interrogação. Somos passado e futuro, mas quase nunca presente. Paradoxo entre o que foi e o que virá a ser. Será? Somos saudade e antecipação. Escolha é abnegação. Medo é solução, estratégia ou desculpa. Tira a culpa de mim por estas palavras. A história não é minha, minha vida é uma repetição. Reprise medíocre, novela da tarde. Mais do mesmo. Reinventar implica sempre uma primeira invenção. Quem inventou o amor, me explica, por favor? Provavelmente tenha sido a mesma pessoa que inventou o ódio e a solidão. E a dor e o sofrimento... e o desejo? Mas o que seria eu, senão uma junção de todas estas coisas? Aliás se souber me dizer o que seria, antes me diga que sou. Quero ser apenas o que quiser de mim. Prefiro não quebrar a cabeça tentando adivinhar. Se me dissesse, ficaria mais fácil. Mas não me diz. Eu estou aqui, podia me encontrar. Ou então deixe que eu te encontre, não se esconda de mim. Estou apenas suplicando redenção, tentando organizar a confusão, compreender o excesso de informação, o excesso de lixo e cultura. Não estou conseguindo fazer a distinção. Onde termina um e começa o outro. Este sou eu, ou será você? Talvez sejamos nós. Mas sozinha não posso desfazer os nós e me encontrar. É preciso antes um outro encontro. Primeiro o outro, depois o eu. É assim que funciona a máquina da contradição, do paradoxo. Do esperto ao contrário, para lembrar Estamira. Esta sábia, esse olho que está à mira de todos nós, de novo os nós. Que se danem! Ana Carolina, Maria ou qualquer outra. Na verdade ninguém sabe o que é. Nomes são apenas nomes. Designações, ilusão. Ter um nome não significa ser alguém. Melhor ou pior, criativo ou apenas um repetidor, um plagiador como eu. Como você.
Então vem comigo e vamos juntos construir o que somos se é que um dia poderemos sê-lo.
Vem e me beije, deixe que eu diga ou não. “Sinto sua falta” quer dizer que eu já te amo, antes mesmo de encontrá-lo.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Palavra

(Fernando Anitelli)


"Palavra
Tenho que escolher a mais bonita
Para poder dizer coisas do coração
Da letra e de quem lê
Toda palavra escrita, rabiscada
Um joelho, guardanapo, chão
Ponto, pula linha, travessão


E a palavra vem
Pequena
Querendo se esconder no silêncio
Querendo se fazer de oração
Baixinha com altura de intenção,
Da segurança
Virgula, parênteses, exclamação
Ponto, pula linha, travessão


E a palavra vem
Vem sozinha
Que a minha frase invento pra te convencer
Vem sozinha
Se o texto é curto, aumento pra te convencer
Palavra
Simples como qualquer palavra
Que eu já não precise falar
Simples como qualquer palavra
Que de algum modo pude mostrar
Simples como qualquer palavra
Como qualquer palavra"


*


(que cala)

Falta palavra,
mas falta também é palavra.

(não me desespero. Tudo que se espera um dia há de vir!)



quinta-feira, 1 de outubro de 2009



"Te olho nos olhos e você reclama
Que te olho muito profundamente.

Desculpa,
Tudo que vivi foi profundamente...

Eu te ensinei quem sou...
E você foi me tirando...
Os espaços entre os abraços,
Guarda-me apenas uma fresta.

Eu que sempre fui livre,
Não importava o que os outros dissessem.

Até onde posso ir para te resgatar?

Reclama de mim, como se houvesse a possibilidade...
De me inventar de novo.

Desculpa... se te olho profundamente,
Rente à pele...
A ponto de ver seus ancestrais...
Nos seus traços.

A ponto de ver a estrada...
Muito antes dos seus passos.

Eu não vou separar as minhas vitórias
Dos meus fracassos!

Eu não vou renunciar a mim;
Nenhuma parte, nenhum pedaço do meu ser
Vibrante, errante, sujo, livre, quente.
Eu quero estar viva e permanecer
Te olhando profundamente."


(Te olho nos olhos, Ana Carolina)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Poema de Agosto

O oco continua ecoando
Preenchendo o buraco interior do corpo
Mais uma tarde inane de agosto

O sol continua batendo na janela
E ainda nem conhecemos o dia
Mais uma tarde desperdiçada de agosto

A música continua tocando no rádio
Mas ninguém parece escutar
Mais uma tarde surda de agosto

A mesa continua cheia de papéis
O trabalho continua sem sentido
A gente continua se sentindo
Um tanto - completamente - fora do lugar
Mais uma tarde angustiada de agosto

A gente continua sem vontade
(sem parar) Continua
Mais uma tarde repetitiva de agosto

A cadeira ao lado continua vazia...

Mais uma tarde solitária de agosto

O coração continua batendo, cansado
Mas não a ponto de parar
E a gente vai levando...
Mais uma tarde enfadonha de agosto

Um torpor profundo continua devastando o ser
Pesando os membros
Fazendo cair as pálpebras
Sufocando os pulmões
Mas a gente continua respirando

O eco continua soando oco no espaço...

Tum-tum. Tum-tum. Tum-tum.

Mais um coração batendo errante, procurando sentido
Em mais uma tarde perdida de agosto

Continuamos presos antes do primeiro passo
enquanto o tempo passa
Deixo de sentir o gosto do que gosto
Não passo de ser vil
para servir
Mais uma tarde de agosto que não passa...
Desperdiço um tempo que não sobra para aprender
Não sei nem se quer de mim
Sei apenas que Agosto
não gosta de partir.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009



"Eu 'acho' que tenho certeza daquilo que eu quero agora, daquilo que mando embora, daquilo que me demora."

(Criado mudo, O teatro mágico)


Não existe verdade, o que existe são pontos de vista. Devo concluir, então, que a dúvida é mais sensata do que a certeza. Ainda assim, dúvida e certeza disputam um lugar no âmago do encontro.


Ei, você, vem conversar comigo?
Venha. Mas venha inteiro.
Não traga apenas corpo, traga alma.
Traga palavra.
Palavra é espelho.
E se a palavra cala, não se preocupe, a falta também fala.
Silêncio é espelho.
Se me permitir, posso ver através de você
Com olhos transcendentais,
enxergo o que está por trás de sua pele rígida,
endurecida pela dor.
Enquanto olho-te nos olhos,
uma linha invisível que sai dos meus
forma, contigo, uma metafísica e incontestável intersecção
Encontro a mim no mesmo instante que encontro a ti,
em algum ponto do espelho entre e em nós.
Assim, me constituo no espaço entre o eu e o outro
Espaço que a palavra abriu para nós
Sou aquilo que me diz
Diferente, todavia, daquilo que escuto,
Portanto novo.
E aquilo que não diz,
Cala.
Mas ainda sou capaz de ouvir com outros olhos
Meus olhos transcendentais.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Lembranças Póstumas

Baseada no filme "Sete Vidas"


"Viver intensamente envolve, inclusive, viver a dor."



Sim. Sinto-me culpado, mas não é por isso que faço o que faço. A culpa por si só não justificaria. Faço isso pra viver, pois sei que depois de fazê-lo não haverá mais vida, não para mim.
Não quero, de maneira alguma, ser um mártir, quero apenas devolver aquilo que roubei.
Só assim poderei ser quem sou em plenitude. Desde que ela se foi não tenho sido senão um vegetal.
Não quero, de maneira alguma, ser um bom samaritano, um super herói, quero apenas suportar os dias sabendo que não cruzei os braços, ou simplesmente ignorei como a maioria.
Só assim poderei alcançar a morte com alguma dignidade, não me considerando um inválido, ou pior, um ingrato, alguém que foi agraciado com uma alma, ar, água e luz e nada ofereceu em troca.
Juro, não é apenas a culpa que me move a fazer o que faço, não quero me redimir de nada, afinal não há o que possa libertar-me de meu pecado.
Não faço isso esperando que meus atos sejam redentores, ao contrário, aceito minha pena. Todos os dias agradeço por estar sendo punido da maneira mais severa, a falta dela me mata em vida, mas eu mereço, afinal.
Quero que quando chegue a hora de partir eu não leve nada, pois não tenho nada. O que tenho não é meu.
Não quero nem sequer morrer com a consciência tranqüila, pois isso já não tenho desde que aquele acidente mudou a minha vida.
Eu fui o único sobrevivente, mas em breve as coisas irão mudar. Poderei dar vida a outras pessoas, não ligo se para isso tiver de abrir mão da minha própria, aliás, este é o plano, devolver o que não é meu.
Sete vidas desperdiçadas. Sete pessoas mortas por conta da minha imprudência, da minha ganância.
Eu que achava que tinha a vida perfeita, o emprego dos sonhos, hoje sou assombrado pelos fantasmas das sete pessoas que foram roubadas por mim, não é justo que elas tenham morrido e eu continue aqui. Mas estou, e não suportarei fechar os olhos e continuar ignorando.


Foi assim que abandonei uma carreira estável e promissora, assumi uma identidade falsa e ajudei as pessoas, mas apenas aquelas que realmente mereciam, as almas boas, dignas, corretas e que tinham esperança na vida.
Dei tudo o que tinha: bens, tempo, afeto, sangue, órgãos... queria sentir a dor que eles sentiam. Doei medula sem anestesia, pensei sobre a morte como uma presença iminente e íntima, tal como ela é para um paciente terminal.
Quase perdi, pela segunda vez, um grande amor. Assim, chegou a minha hora, salvei a mulher que amava.
A morte não é tão ruim quando ela vem para trazer vida, meu coração continuou batendo depois que parti. No peito do meu grande amor, eu estava vivo. Vivo como nunca.

domingo, 12 de julho de 2009

Milionário versus Benjamin Button


Depois de meses ensaiando, finalmente assisti ao ganhador do Oscar deste ano. Estava ansiosa para vê-lo, mas a oportunidade não vinha.
Antes da premiação, tinha a idéia de assistir aos indicados a fim de obter parâmetros para fazer minha própria avaliação. Como nos outros anos, a idéia não se concretizou e acabei por ver apenas o “Curioso Caso de Benjamin Button”, filme que não apenas despertou uma profunda admiração, como conquistou o topo da minha lista de favoritos. Indubitavelmente, uma obra prima do cinema americano da última década.
Foi impossível esconder a decepção quando a estatueta não veio. Controlei a indignação até que pudesse tirar conclusões menos injustas. Enfim a oportunidade chegou.
Bem, vamos então ao ganhador: Slumdog millionaire (Reino Unido/Índia, 2008) se trata de um projeto revolucionário que foge aos padrões hollywoodianos, não apenas pelo baixo orçamento e por ter sido rodado muito longe das fronteiras americanas, mas sobretudo, pela roupagem. O que, em minha opinião, foi o grande acerto do filme. Inovador e, pelas próprias condições, surpreendente.
Algumas tomadas, logo no início, me lembraram um estilo muito explorado pelo cinema nacional, a cena dos garotos correndo pelas vielas da favela, filmadas quase sempre de frente ou de cima, com cortes secos e uma maior velocidade na mudança de ângulos, compele dinamismo e ação à cena e causa uma sensação de impaciência e aflição aos expectadores. A estética documental e veloz remetem ao filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, a diferença se observa numa fotografia mais trabalhada, que torna as imagens menos cruas e mais suaves, causando a impressão de um sutil desbotamento responsável pela instauração de uma atmosfera poético-moderna nas cenas.
Mas o que de fato teria feito de “Quem quer ser um milionário” merecedor da estatueta de melhor filme? A principal razão talvez tenha sido o fato de que a produção, valendo-se de um argumento tão pífio quanto um programa televisivo de entretenimento de massa, o transformou numa história de valor digna de ser não apenas assistida, mas admirada.
Não fosse pela brilhante maneira com que a história foi contada, ela estaria condenada à mediocridade, aliás, se pensarmos em termos do enredo em si, e desconsiderarmos a proeza artística de Danny Boyle, podemos dizer que a história do garoto pobre, porém bondoso e perseverante e da mocinha sofredora e submissa, não caracteriza nenhuma inovação no cinema, muito pelo contrário, trata-se de uma repetição desgastada. A própria “história de amor impossível”, chapada, sem nenhum diferencial das outras tantas espalhadas por aí, teria sido capaz de tornar o filme um fiasco, caso ele se resumisse a isso, o que não ocorre.
Bonito e interessante, “Quem quer ser um milionário” revela o verdadeiro princípio do saber humano, deixando claro que o aprendizado nada tem a ver com o simples preenchimento de uma vaga na escola, ou com as oportunidades proporcionadas pelo dinheiro, mas com as experiências e o sentimento experimentado em cada situação vivida.
Há muito mais pra se falar sobre o filme, a montagem, a direção de som, a edição, são alguns de seus destaques, contudo, inicialmente esta crítica tinha outra intenção.
Se fosse eu a julgar, Benjamin Button teria levado o prêmio, sobretudo porque como já disse, para mim se trata de um filme completo.
“Benjamin” possui um bom argumento, um roteiro bem lapidado, ademais de a direção ter acertado em cheio, boas atuações e uma direção de arte formidável tornaram o filme profundo, além de comovente. Um filme que nos inspira e que a cada vez que se assiste, percebe-se algo novo acerca da condição e das relações humanas. Ao contrário de “Milionário”, não tem um final feliz, mas sim melancólico, justamente porque se aproxima mais da realidade, ao mesmo tempo em que se distancia pelo fantástico da obra. Só mais uma diferença: Benjamin Button não é um filme burguês disfarçado de plebeu.
De um lado, uma produção quase que independente, contando com um orçamento mínimo, gravado na Índia e com um elenco desprovido de atores consagrados, porém com uma história movida pela ideologia capitalista.
De outro, um filme tipicamente hollywoodiano, produzido com um orçamento generoso, roteirizado e dirigido por grandes nomes e protagonizado por Brad Pitt e Cate Blanchett.
É fato que este ano a academia surpreendeu (mas nem tanto). Também o é, que eu própria esteja surpresa por ter preferido o segundo, geralmente a simplicidade artística condiz mais com o meu estilo. Mas dessa vez, caro leitor, fico com a legitimidade.
Enfim, lanço a seguinte questão: a avaliação que define o “melhor filme” não deve levar em consideração o conjunto da obra? Pois bem, pelo conjunto da obra “Milionário” deixou a desejar, contudo vale assistir uma segunda vez, afinal bons filmes se renovam a cada sessão.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Eu ideal



Ele estava exausto, mas tinha certeza de que se conseguisse dormir jamais teria um sono tranqüilo.
Então voltou pra casa com a cabeça a mil, antecipando a noite que passaria às claras, tentando descobrir onde errou, ou pior, não aceitando o erro.
Não sabia se o cansaço era proveniente da insônia ou a insônia do cansaço, a verdade era que ele não sabia mais, estava desarmado diante si mesmo.
O problema não era a nota "baixa", que seria a responsável por essa noite mal dormida, o problema eram as outras noites.
Enfim a cabeça pesada, pulsando de frustração, despencou sobre o travesseiro, e o corpo rígido, virava de um lado para o outro na cama, sem encontrar posição.
Não queria mais pensar, mas o "não querer" o fazia pensar ainda mais.
Aos poucos se dava conta de algumas coisas que faziam outras tantas ficarem ainda mais privadas de compreensão, ele havia se resumido a isso: caos.
Estava difícil controlar as idéias que pulsavam incessante e repetidamente em sua cabeça. Não ter o dez, não ter namorada, não ter um carro, não ter, simplesmente não ter. Pela equivalência neurótica, lembrava das aulas sobre psicanálise, não ter é não ser.
Estava claro como nunca que, apesar de não saber quando nem como, ele havia se tornado um obsessivo sufocado por um severo sentimento de inferioridade do qual tentava desesperadamente se defender, a cada ato.
O cabelo impecável, a compulsão por sapatos, a preocupação descomedida com as roupas que jurava não ter, as horas de estudo, os gastos irrefreados com presentes, a necessidade aflita de agradar, as incansáveis revisões de tarefas, a fixação pelo reconhecimento.
Você é um lixo – uma voz lá dentro dizia - Você está todo corrompido, estragado. Disfarce o estrago antes que os outros percebam.
E quanto mais tentava disfarçar, mais temia ser descoberto. Inútil.
De fato, essa noite ele não dormiria.
E nas outras também não, não enquanto as retóricas que ecoavam dentro de si (e que insistia em projetar) permanecessem sem resposta. Mas o problema é que retóricas não buscam respostas.
“A quem se dirige a pergunta?”
A quem quer que seja capaz de não tentar respondê-la. Como não saber incomoda, frustra, continuo buscando saber mesmo sabendo que jamais saberei. Saber é ter e ter é ser. Assim, a falta é o que impulsiona a vida.
E volto à primeira pessoa, afinal a essas alturas você já deve ter percebido o óbvio: o rapaz sou eu, apesar de, “paradoxalmente”, ser uma garota.
O motivo pelo qual tenho me colocado numa posicão masculina já não é mais uma incógnita pra mim, pelo menos em termos. Mas como eu havia dito, as conclusões são capazes de dar margens à tantas outras dúvidas, das quais grande parte permanecerá em caráter de dúvida.


E, mesmo depois de tanto esforço, o dez não veio. Mas por que mesmo eu precisava dele?
Para provar o quanto eu sou boa?
Provar pra quem?

terça-feira, 23 de junho de 2009

A Palavra Falta

"Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos
quando querem exprimir qualquer realidade.
Mas como a realidade pensada não é a dita mas a pensada,
Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada.
Assim, tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos,
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença."


Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Quem somos nós?



Até onde vai o poder humano? Qual é o limite entre o controle e descontrole?

Por uma questão de necessidade, diariamente, milhares de pessoas ao redor do mundo acabam por confiar suas vidas à especialidade de outros seres humanos, subjugando uma série de fatores sobre os quais nenhuma ação de nossa natureza é capaz de prever ou dominar.
Mais de 250 pessoas estavam a bordo do avião cuja rota de mais de dez horas era percorrida em grande parte num sobrevôo ao oceano Atlântico.
De fato, no que concerne ao transporte de pessoas a longas distâncias, o avião é nossa melhor ferramenta. “Mais seguro que o elevador!”. Quem sou eu pra discordar? Enfim, a questão aqui é outra. Apesar da consciência, que muitas vezes se comprova em dados, de nossa imperfeição e das falhas de nossas criações, demonstramos uma tendência à ascensão indiscriminada da prepotência que nos é inerente. Confiamos inadvertidamente em nossos produtos, em nossa ciência, desprezando o fato de que o humano e todos os seus derivados estão submetidos à operação de diversas forças que definitivamente vão muito além do que permite nossas competências compreender e controlar, ainda que co-existamos com a nossa própria ilusão de domínio das circunstâncias.
Assim, por não termos outra opção, deixamos que vidas simplesmente desapareçam pelos ares, o equívoco é justamente o oposto: acreditar que temos como dar conta disso. Não há responsabilidade pelo acidente, afinal, em acidentes não existem responsáveis. Solução não há, pelo menos não há uma que esteja ao nosso alcance.
O que é, de fato, necessidade primeira é que aceitemos o inaceitável, o impensável: há coisas (e não são poucas) que simplesmente não cabe a nós compreender, explicar e acima de tudo prover.
É assustador que uma dessas coisas seja a nossa própria existência.
Não é fácil admitir, mas todos estamos entregues à sorte, ao acaso, ao destino ou, chame você do que quiser. Na verdade o nome que se dá é o que menos importa.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Oitenta e poucos


Naquela manhã o sol invadiu o quarto com uma luminosidade maior do que em qualquer outra manhã de Janeiro. Deitada na pequena cama de solteiro com lençóis e fronhas brancas, a velha senhora se virou com dificuldade, abrindo os olhos que mal conseguiam enxergar a essa altura de sua vida. O quarto era desconhecido e a senhora sentiu-se um pouco assustada, com movimentos muito lentos e pouco articulados, ela procurou se levantar, calçando os chinelos de pano e dirigindo-se à penteadeira de mogno à esquerda da porta. Com mais passos do que o necessário, ela atingiu o beiral da plataforma, onde havia alguns frascos de colônias e hidratantes, apoiando as mãos enrugadas nela. No espelho oval surgia, receoso, um rosto que nem com algum esforço ela conseguiu reconhecer. Um rosto flácido, marcado com várias manchas escuras, manchas de muitos anos de agressão do sol. Com as mãos trêmulas, a velha toca o espelho gélido, ainda sem se dar conta. Em seguida toca o próprio rosto. A textura gelatinosa da pele sob suas mãos finalmente a traz para realidade e, enfim, ela conclui que o rosto no espelho é o seu próprio. Ela continuava ali, imóvel mesmo depois de vários minutos, parecia não entender como nem quando havia se tornado aquela figura refletida no espelho. Também não fazia idéia de onde estava, de que quarto era aquele. Pensou em abrir a porta, mas teve medo do que poderia encontrar lá fora. Deu um passo em direção ao grande pedaço de madeira pintado de cinza, mas hesitou e antes que pudesse se mover mais um milímetro a porta se abriu. Um homem alto, grisalho, de uns quarenta e poucos, talvez cinquenta anos, atravessou o batente. Pavor. O que este desconhecido estaria fazendo em seu quarto? A velha inspirou com força a maior quantidade de ar que pôde para formar o grito mais alto que conseguiria. Ela gritou, gritou, gritou desesperadamente, se não podia correr, talvez alguém a salvasse. O homem, ouvindo a velha gritar aproximou-se, e mesmo vendo-a recuar a abraçou no intuito de acalmá-la, inutilmente. Ela gritava cada vez mais. "Calma mãe, sou eu o Chico. Vim lhe trazer o café da manhã, também trouxe flores, afinal hoje é um dia especial. Feliz aniversário, mãe!" Ela parou por um instante enquanto ele falava, fixou os olhos na expressão assustada do homem, o encarou por alguns segundos e depois recomeçou a gritaria. Ele então, percebendo que sua presença não era bem vinda, colocou o buquê de rosas vermelhas (as preferidas da mãe) sobre a cama e deixou o quarto, desconcertado, esbarrando nas pessoas que vinham umas atrás das outras ver o que estava acontecendo. A velha permanecia parada numa espécie de estado de choque, mas subitamente um tufão de pensamentos desconexos surgiam em sua cabeça: Uma garota loira desengonçada, um jovem rapaz, uma moça vestida de noiva, uma sala cheia de diplomas, livros, uma sala ampla clara como aquele quarto de asilo, risadas, um berço e um bebê. Um bebê chamado Francisco. Uma lágrima escorreu pelo rosto da velha ao lembrar do dia em que batizou o seu primeiro filho.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O que queres que eu seja?





... e a resposta nunca vem.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

A questão é...



Os opostos se atraem, distraem ou se completam?

(Em verdade buscávamos algo que tapasse o buraco.)
Imaginei o outro tão diferente que era oposto, e apaixonei-me por ele antes mesmo de conhecê-lo, quando nem ao menos conhecia a mim mesmo.
Fui, então, percebendo-me um tanto menos oposto, quase igual. O outro era espelho.
Se era espelho não era oposto, ou era? O espelho apenas faz o igual (a)parecer ao contrário.
Não tapou.
Complementa. Mas o complemento não é completo é apenas complemento.
E não completa, embora a gente pense e precise pensar que sim. Questão de sobrevivência.
... E o buraco nunca tapa...


sábado, 21 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Conclusões de um eremita II


"Hoje penso na morte com a serenidade que jamais pensei um dia."



terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

domingo, 25 de janeiro de 2009

Benjamin Button, a metáfora do tempo



"Cada vez menos aparecem filmes que satisfazem num grau tão poderoso como este, então é preciso valorizá-los cada vez mais. “O Curioso Caso de Benjamin Button” estréia na temporada de prêmios e promete levar vários; merecidamente." - Ricardo Prado, crítico de cinema.


“Inacreditavelmente completo” é uma boa forma de definir O curioso caso de Benjamin Button (EUA, 2008), mas ainda assim, não é a ideal. Trata-se de um filme tão bem lapidado que seria injusto tentar enquadrá-lo numa única definição.
O que muitos podem considerar um deslize que impede a perfeição do roteiro é a duração de quase três horas de filme, o que de fato o torna um tanto cansativo, porém, a meu ver, esta pode ser considerada uma ferramenta da própria história, como uma parte do enredo capaz de otimizar o envolvimento do expectador na realidade dos personagens, fazendo com que ele “sinta” o escorregar sorrateiro do tempo impregnado na história, do primeiro ao último minuto. Alguns dos pontos fortes além da história em si é a competência técnica da direção de arte nos quesitos fotografia, efeitos especiais e, sobretudo, maquiagem.
David Fincher (Seven e Clube da Luta) e Eric Roth (Forrest Gump), diretor e roteirista do filme respectivamente, contam com excelência a história de uma vida (ou de várias) de chegadas e partidas, paixões e tragédias, tecida e amarrada tal como estão sutil e perfeitamente entrelaçadas as vidas de todos nós; e narrada pelos sibilos do surreal, onde a ficção se mostra surpreendentemente capaz de contar a realidade.
De fato, como seria a vida vivida ao contrário (se é que não seja assim que a vivemos)?
A sucessão de fatos e acontecimentos no tempo é o grande barato da vida, apesar e alheia ao próprio tempo. Nas idas e vindas dela, as histórias se cruzam, algumas por pouco tempo, outras por toda a existência, mas nunca sem um propósito. Alguns chamam isso de acaso, outros de destino.
E enquanto cresço e envelheço, vou vivendo ou não, amando ou não, me transformando interiormente ou teimando em permanecer a mesma, mas, apesar e independentemente de qualquer coisa, meu corpo caminha para o fim, que sempre parece justificar o começo.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Em Primeira Pessoa


Há um tempo não escrevo. Quase sempre surpreendo-me tentando encontrar o motivo. Não se trata de falta de assunto, muito menos de vontade, há tanto o que falar que nem sei!
Penso que quando a gente produz, seja lá o que for, não basta apenas uma idéia e a intenção de objetivá-la, a criação precisa ser “cuspida”. É como um parto, há que se colocar o incômodo para fora, mas não sem certa dor. Talvez por isso não tenha escrito, por medo da dor.
Cada linha escrita representa mais um centímetro no corte que rasga a pele do escritor, no fim do último parágrafo pode-se dizer que sua alma está exposta.
Quanto a mim, ando tão vulnerável que a última coisa de que preciso é abrir ainda mais o buraco que permite ver o que há por baixo de minha pele marcada. E tenho tanto medo de transparecer que acabo transparecendo cada vez mais, e a única razão para ser é que preciso disso. Eu sou assim. Cheguei a me deprimir ao pensar que talvez eu não mais escrevesse. Como se não fosse melhor assim... Me pouparia da dor.
Mas ciente de todas as dores que a escolha de minha conduta pudesse me causar, escolhi, ainda assim, a verdade. É minha sina. Essa sinceridade exacerbada que me despe diante dos olhos dos outros, essa nudez que vive a me violentar. Enfim. Eu sei que o que digo será usado contra mim, no tribunal diário do juízo alheio.
Não venha me dizer do direito ao silêncio, sinto-me sufocada é pelo dever do silêncio! Permaneçamos calados então, como criminosos.
Mas se viver de fato é crime, assino agora minha sentença. E se gritar, se me fazer notar através minhas palavras, tal como sou e penso, será a minha condenação, então já estou condenada.
Estou despida, deixo os meus conflitos, os meus sentimentos, a minha angústia para a vossa apreciação, sem medo. Eu tenho este direito! Não quero o direito ao silêncio, quero antes o direito ao grito!
É minha alma que agora berra. E quem sou eu para calar os berros da alma?

* Escrito em 02 de Janeiro de 2009

domingo, 4 de janeiro de 2009

(D)esperança

"Quem espera, desespera." - Autoria Desconhecida.

2009 é um novo ano e tudo promete ser diferente, parece ser uma oportunidade que se abre para nós, uma oportunidade de fazer tudo diferente, de consertar o que está errado, como um rito de passagem entre o que é e o que vai ser...

“mas o que vai ser não vai ser porque é um novo ano, porque são novos ares ou porque a nossa sorte vai mudar, mas o que vai ser, será, única e exclusivamente, porque nós faremos com que seja!
Os dias são todos iguais, 31 de Dezembro de 2008 não é diferente de 01 de Janeiro de 2009 e de nenhum outro dia de qualquer ano, nada faz com que os dias sejam especiais, exceto as nossas ações.

'temos todo o tempo do mundo, não temos tempo a perder. Nosso suor sagrado é bem mais belo que este sangue amargo'

A minha grande questão é: Por que esperar para que no ano que vem as coisas mudem?
Por que adiar a felicidade?

E se nosso tempo for escasso?
O tempo é ágil e hábil na arte de apagar, dores, mas também alegrias, ódio, mas também amor. Temo que ele passe e vá varrendo tudo o que hoje é bonito.
Tenho medo de que as coisas mudem, de que eu mude, meus sentimentos, porque eles são tão efêmeros, tão inconstantes, tão voláteis, que posso perder a oportunidade de me sentir como no sonho, quando tudo parece fazer sentido e, no momento seguinte, percebo que perdi a chance.
É uma pena a forma como deixamos as oportunidades escaparem, é triste...
Por nos importarmos tanto com o futuro, não vivemos o presente em plenitude. Vamos deixando, pro futuro, pro futuro, para ser melhor, no futuro.
Se no futuro vai ser ou não diferente, não importa tanto assim, o que importa, por ora é o presente, então qual a razão para não deixarmos o futuro no futuro?
Falando assim parece simples, é tudo tão bonito no reino das palavras (e é exatamente por isso que eu gosto tanto dele), pena que não seja assim no plano do real.
Mas, na minha opinião, fugir do tempo, matar o tempo, não enfrentá-lo é um gesto de covardia, porque aproveitar ou não o momento, aquele momento em que o coração bate mais forte e a mente parece fugir do controle, pode inclusive determinar o rumo de nossas vidas de forma positiva, ou causar destruição.
'Do jeito que tiver que ser, será.' Será?
Eu estive pensando em como esta 'filosofia' é passiva, covarde, afinal por que adiamos as coisas, senão por medo? O medo me parece a justificativa mais plausível para que não busquemos a felicidade. Medo de não encontrá-la.
A gente perde em não aceitar que a vida é feita de riscos e se não nos arriscarmos, talvez nunca saberemos o que é, de fato, viver... é o medo do fracasso que impede a felicidade humana, embora saibamos que o fracasso é inerente a um ser humano imperfeito.
Preciso aprender a lidar com o tempo e tudo o que eu peço é uma chance. Tudo o que queremos é uma oportunidade de viver as coisas, independente do tempo. Não vejo razão para não 'fazer no hoje' o que eu mais desejo. A única razão é a ignorância. O medo é ignorância!
Preciso aprender a lidar com o tempo, respeitar o meu tempo e o tempo do outro, mas isso tudo não parece fazer muito sentido pra mim e tenho uma razão para isso: a nossa própria finitude. Não somos imortais, e definitivamente o que eu não quero é morrer frustrada por viver dando tempo ao tempo que não temos.
Por enquanto, para mim, o Carpe Diem faz mais sentido!”

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Conclusões de um eremita


"Se hoje brigo comigo é porque misturei-me demais aos outros."


sábado, 13 de dezembro de 2008

O Toque


Ela acordou sentindo-se diferente, apesar de não saber dizer o que, algo nela havia mudado, mas num bom sentido. Talvez porque tenha dormido bem, ou pela ensolarada manhã de domingo, ou talvez pela viagem de trem.
Ela sempre achou os trens incrivelmente românticos, mesmo estes trens modernos que em nada se parecem com as antigas e inspiradoras marias-fumaça.
Parada final: Jundiaí.
Se lembrou da brincadeira com a qual sempre provocava a amiga de lá:
- Muito gostoso ir para o interior de trem!
- Que interior menina? Desde quando Jundiaí é interior?
Oito e meia da manhã, a garota um tanto entusiasmada, um tanto introspectiva deixava São Paulo ainda dormindo, rumo ao clima quase bucólico da pequena cidade vizinha, perguntando-se se chegaria muito tarde para o encontro com a amiga.
Desembarcou do primeiro trem dirigindo-se diretamente à plataforma 2.
O segundo trem é mais encardido, os bancos menos confortáveis. O incômodo do desconforto a afasta ainda mais da atmosfera da metrópole, é curioso que isto acentue sua paixão por viagens de trem.
Apesar de não se imaginar vivendo em outro lugar, ela definitivamente não gosta de São Paulo e quando alguém a questiona sobre o motivo, ela costuma responder que é por causa do frio.
Embarcou assim meio desorientada, com o pensamento longe e sentou-se no primeiro banco disponível. Procurou alguma coisa na bolsa, em seguida sacou um livro.
Abriu bem na página marcada, onde havia uma dedicatória:
“Amor,
ainda que se sinta perdida em meio a multidão de estátuas de mármore
e o frio da tarde chuvosa atresse sua pele cortando-lhe o corpo,
mesmo que cercada de um punhado infinito de formas metálicas e de gigantescas muralhas de vidro
que a fazem sentir cada vez mais gelada,
lembre-se das palavras do poeta:
'O amor é o fogo que arde sem se ver'
E então feche os olhos e sinta: eu estou te tocando.
Num toque quente, sinta seu rosto entre minhas mãos, olhe-me nos olhos.
Veja-me face a face, como nos teus sonhos.
Eu serei sempre o rosto humano em meio as incontáveis faces de mármore.
Eu serei sempre o calor do fogo que te aquece em todos os teus dias.
E saiba que enquanto eu respirar, não faltará a ti o que falta a estes habitantes de andar robótico na terra do metal e do vidro: o toque.”
Fechou o livro deixando cair as folhas umas sobre as outras acompanhando a lágrima teimosa que caía sobre a sua face corada. Estava nervosa, não queria que as pessoas percebessem seu choro.
Enxugando os olhos, ela se concentrou na difícil tarefa de pensar em qualquer coisa que não lembrasse o ex. Não conseguiu. Levantou a cabeça e olhou ao redor para se certificar de que ninguém havia notado aquela lágrima que deixara cair.
Como havia imaginado, ninguém percebeu.
“Não se sinta fria em meio à multidão de estátuas de mármore.”
Novamente sentiu vontade de chorar, mas dessa vez segurou. Mais uma vez percorreu o vagão com os olhos, foi então que viu do outro lado, bem no canto, um garoto moreno, comum, um tanto tímido mas seu rosto não era como os outros, ele a encarava, ou melhor, ele era o único ali que a percebia.
Eles permaneceram alguns instantes assim, se olhando.
Ele fez menção de se levantar, não pensou, apenas caminhou em direção a ela.
Enquanto o garoto desconhecido andava em sua direção, ela pôde perceber em suas mãos algo que logo em seguida julgou ser um DVD, leu o título:
“Antes do pôr do sol”
Viagens de trem são mesmo muito românticas, pensou.
Ele se sentou no banco vazio ao lado dela, olhando-a nos olhos. E assim sem dizer nada, seus dedos foram tocando os dela...
A garota sentiu-se estranhamente completa. Ela nem se quer estava mais gelada.
Apenas um pensamento ecoava, insistente, em sua cabeça:
“O que falta às pessoas é o toque.”
Acordou meio sobressaltada com o trem chegando à estação, fechou o livro e desceu dirigindo-se ao encontro da amiga.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008


Lá pelas sete o sol nasceu para mim. Era um novo dia, uma nova manhã.
O cheiro da manhã é de liberdade.
E o coração batia pela primeira vez neste novo dia. (Luz) agora posso ver novamente meu rosto no espelho...
Um segundo rosto. O sol iluminou a face dele em diagonal. E o corpo iluminado transfigurou-se em corpo luminoso.
O cheiro da luz é de liberdade.
Abro a janela do quarto e, logo ali, voando baixinho num céu azul turquesa antes nunca visto, um solitário pássaro branco. E agora descubro o quanto é frágil minha normalidade muda. Patológico?
Descubro agora que não sou boa o bastante. Que minha vida não é boa o bastante.
Fecho a janela.
O vôo do pássaro termina cedo. Às seis o sol já está se pondo.
Estou com sede, vou até a cozinha. Mas a cozinha não resolve, pois minha sede é de conceitos.
Os conceitos, as cozinhas, tudo é tão perecível e eu nem se quer preciso disso. Dessa água não. Não beberei. Mas estou com sede. Enquanto ouço uma voz lá dentro falando de preconceito. O Pré - conceito vem antes. Patológico? É dessa fonte que bebemos.
A tristeza vem antes da felicidade.
Na verdade nunca se sabe o que vem depois.
Parece fácil. Depois do Pré, o Pós. Depois da manhã, a tarde, depois da tarde, a noite. Depois da vida...
Ontem à noite eu tive um sonho. Sonhei que a porta se abriu e era exatamente quem eu esperava. Sonhei que o pássaro branco entrou pela janela e trouxe a luz da manhã. O corpo iluminado, transfigurou-se em fonte de luz.
E eu sonhei e só. Depois do Pré, o Pós. Depois do sonho, a realidade.
Na verdade a gente nunca sabe o que vem antes e o que vem depois.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Oh My God, He Is Black!


Em primeiro de janeiro de 2003, aqui no Brasil, um metalúrgico de São Bernardo do Campo assumia a presidência da República. Exceto pela queda da ditadura e pelas eleições diretas, podemos dizer que esta foi a maior conquista sócio-política da história nacional moderna, onde toda a sociedade brasileira pôde assistir a classe trabalhadora, vítima de inúmeras repressões e humilhações ao longo dos tempos, subir ao poder.
Quase seis anos depois. Eu e o mundo inteiro pudemos ver, embora muitos ainda não acreditassem, um negro ser eleito presidente de um país que, além de ser a maior potência mundial e, portanto, berço da hegemonia burguesa, é conhecido como uma nação tradicionalmente racista em que, entre outras coisas, brancos e negros são separados por bairros.
Mais do que uma questão de preferência partidária como a mídia veicula, o que o mundo inteiro assistiu ontem, assim como o Brasil assistiu há seis anos, foi o grito desesperado das chamadas “minorias” (o que sabemos que não são...), um impetuoso grito de libertação, um grito sufocado há séculos e que há muito ameaçava soar.
Os EUA, no dia 04 de novembro de 2008 gritou por mudança. Nós brasileiros fizemos o mesmo quando fomos às urnas e elegemos Lula como presidente. Esta analogia entre a história destes dois homens, como eleitos de duas sociedades insatisfeitas e suplicantes por mudança em muitos aspectos pode parecer ingênua e utópica, pois, de certa forma, subestima os vários outros fatores, além da questão classista, que estão envolvidos nestas duas eleições e suas possíveis deficiências, mas espero não estar sendo exagerada em dizer que elas refletem uma nova sociedade, novas demandas sociais, e que esta “nova sociedade” tanto mais se renovará quanto mais suas ações tomarem grandes proporções, nesta medida, a eleição de um presidente negro nos Estados Unidos implica numa mudança que já está ocorrendo, mas que agora toma proporções mundiais, em outras palavras, o que quero dizer é que esta eleição muda, em alguma medida, toda a história da humanidade, e que assim seja.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Parto-me


As amarras ferem cada vez mais
Os pulsos sangram hemorragicamente,
Enquanto estas pesadas mãos em minha boca
sufocam o grito!
Preciso encontrar a válvula,
Senão a panela explode!
Deixa sair o ar, devagar...
Deixa sair o ar.
Deixar escapar a pressão
Deixo.
Não!
Bum!
Vai ao ar
Perco as rédeas de mim
Cavalo alado, atinge as nuvens
E quando volta ao chão
Já não é mais o mesmo
Pois agora conhece os perigos dos céus.
Quando volto ao chão, estou nudado, estou perdido

Leve-me de volta para mim!

O relógio continua produzindo seus barulhentos tic-tac's
Depois...
O silêncio
E então o sono.
O tempo opera milagres.
O tempo conserta.
Será?
De volta ao controle
A panela vai ao fogo "como antes"
E então?
...Pressão...
A pressão nunca pára
Ou pára, mas só quando o fogo apaga
Por ora a chama está alta,
pelos menos até onde os olhos enxergam
E se a válvula não estiver boa?
Cuidado!
A panela explode...
Bum!

"Leve-me de volta para mim".