quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O que era poesia, virou prosa

"Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!"

(Fragmento do poema "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu)






Hoje retornei ao lugar onde cresci
A fachada ainda é a mesma,
Mas foi com outros olhos que a vi
Olhos virulentos, infectados pela adultez
que torna tudo meio embaçado, fora de foco, irreal...
Já na portaria encontrei um dos homens
que mancham de preto a paisagem
E pude sentir o pesar de ser impedida de entrar em casa
Pesar e não revolta porque no fundo eu sabia
que aquele não era mais o meu lugar
Mas, na verdade, ele não me impediu
Eu é que pedi permissão para entrar
Assumi minha condição de visitante (não sem dor)
Não preciso dizer que não havia espaço
Para os homens de preto no lugar onde eu cresci
Aliás eles contradizem todas as significações
daquele lugar
(Têm mais a ver com a vida de agora)
E eu ainda peço permissão!
Quando eles chegaram sim, eu me senti afrontada,
eram intrusos em minha casa
Mas hoje não
Hoje eu era a intrusa,
Uma intrusa que se orgulhava de um dia
Ter sido a dona.
Assim eu cruzei o portão,
Olhei cada árvore,
Analisei cada espaço,
Estava tudo tão diferente
E ao mesmo tempo tão igual
Diferente porque, primeiro, estava vazio
E porque algumas coisas estavam fora do lugar
E igual porque as imagens
Eram exatamente aquelas imagens de minha lembrança
Verdes, muito verdes!
Os tons quentes eram provenientes dos raios de sol
(Não me lembro de dias chuvosos no lugar onde cresci)
Acho até que a vida era mais colorida
naquela época
E a cor que predominava era o verde
Continuei a passos lentos,
Pela primeira vez em muito tempo
Eu não estava com pressa.
Subi degrau por degrau
Ao invés de subir pelo estacionamento,
Visitei cada ambiente, vi avisos no quadro
E artes nos murais
Vi fotos nos painéis e pensei.
Pensei que é tudo uma questão de tempo.
Sabe-se lá quando não haverá mais espaço
para a minha foto no painel...
Lembrei das manhãs, das tardes
E das noites de lá, tão diferentes da noite de hoje
Lembrei dos rostos
E de cada sorriso estampado neles
E do gramado sempre cheio de crianças
(Eram crianças e não sabiam!)
E das pessoas que recebi dizendo:
"Este lugar é mágico! Aproveitem cada minuto.
Três anos passam pelo buraco de uma agulha
e quando se derem conta, o tempo acabou."
Acabou a chance de ser criança.
O lugar onde eu cresci, meus caros,
não é uma cidadezinha, uma rua, ou uma casa
O lugar onde eu cresci é uma escola
A melhor, a mais fantástica
A inefável escola onde eu,
premiada tal qual o felizardo ganhador de loteria,
pude viver
Disse viver, não estudar.
Onde eu pude encontrar a mim mesma
(ou a várias "mim mesmas")
antes de me tornar o que sou agora
O lugar onde eu aprendi que família é aquela que a gente escolhe.
Lá, na minha bolha particular,
Na minha zona de conforto
Eu soube o que era felicidade
Ali eu estava protegida dos perigos do mundo
Meu universo paralelo,
Meu lugar ideal...

Hoje eu retornei ao lugar onde cresci
Mas foi com outros olhos que o vi
Olhos de estranha
Olhos de saudade.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Conclusões de um eremita III



"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é"
Eu sei mais da dor.