quarta-feira, 27 de maio de 2009

Oitenta e poucos


Naquela manhã o sol invadiu o quarto com uma luminosidade maior do que em qualquer outra manhã de Janeiro. Deitada na pequena cama de solteiro com lençóis e fronhas brancas, a velha senhora se virou com dificuldade, abrindo os olhos que mal conseguiam enxergar a essa altura de sua vida. O quarto era desconhecido e a senhora sentiu-se um pouco assustada, com movimentos muito lentos e pouco articulados, ela procurou se levantar, calçando os chinelos de pano e dirigindo-se à penteadeira de mogno à esquerda da porta. Com mais passos do que o necessário, ela atingiu o beiral da plataforma, onde havia alguns frascos de colônias e hidratantes, apoiando as mãos enrugadas nela. No espelho oval surgia, receoso, um rosto que nem com algum esforço ela conseguiu reconhecer. Um rosto flácido, marcado com várias manchas escuras, manchas de muitos anos de agressão do sol. Com as mãos trêmulas, a velha toca o espelho gélido, ainda sem se dar conta. Em seguida toca o próprio rosto. A textura gelatinosa da pele sob suas mãos finalmente a traz para realidade e, enfim, ela conclui que o rosto no espelho é o seu próprio. Ela continuava ali, imóvel mesmo depois de vários minutos, parecia não entender como nem quando havia se tornado aquela figura refletida no espelho. Também não fazia idéia de onde estava, de que quarto era aquele. Pensou em abrir a porta, mas teve medo do que poderia encontrar lá fora. Deu um passo em direção ao grande pedaço de madeira pintado de cinza, mas hesitou e antes que pudesse se mover mais um milímetro a porta se abriu. Um homem alto, grisalho, de uns quarenta e poucos, talvez cinquenta anos, atravessou o batente. Pavor. O que este desconhecido estaria fazendo em seu quarto? A velha inspirou com força a maior quantidade de ar que pôde para formar o grito mais alto que conseguiria. Ela gritou, gritou, gritou desesperadamente, se não podia correr, talvez alguém a salvasse. O homem, ouvindo a velha gritar aproximou-se, e mesmo vendo-a recuar a abraçou no intuito de acalmá-la, inutilmente. Ela gritava cada vez mais. "Calma mãe, sou eu o Chico. Vim lhe trazer o café da manhã, também trouxe flores, afinal hoje é um dia especial. Feliz aniversário, mãe!" Ela parou por um instante enquanto ele falava, fixou os olhos na expressão assustada do homem, o encarou por alguns segundos e depois recomeçou a gritaria. Ele então, percebendo que sua presença não era bem vinda, colocou o buquê de rosas vermelhas (as preferidas da mãe) sobre a cama e deixou o quarto, desconcertado, esbarrando nas pessoas que vinham umas atrás das outras ver o que estava acontecendo. A velha permanecia parada numa espécie de estado de choque, mas subitamente um tufão de pensamentos desconexos surgiam em sua cabeça: Uma garota loira desengonçada, um jovem rapaz, uma moça vestida de noiva, uma sala cheia de diplomas, livros, uma sala ampla clara como aquele quarto de asilo, risadas, um berço e um bebê. Um bebê chamado Francisco. Uma lágrima escorreu pelo rosto da velha ao lembrar do dia em que batizou o seu primeiro filho.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O que queres que eu seja?





... e a resposta nunca vem.