terça-feira, 24 de junho de 2008

Identidade


Às queridas Helô e Evanda, pelas visitas ao circo, ao museu e, principalmente, pela companhia neste semestre

"[...] Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero há calma e frescura na superfície intacta. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consuma com seu poder de palavra e seu poder de silêncio [...]"


***

Ouve sem ouvir, está dentro.
Chiu! Cala! Ouve.
Fala, mas sem dizer nada.
Pensa.
Este emaranhado aí dentro é você (que grita)!
Senta e lê Drummond.
Penetra. Pensa.
Está aí. Em você.
Põe pra fora.
Escreva.
Diga
O que quiser.
Deixa sair o som.
Trace as linhas.
Não precisa,
apenas
pensa!
Guarda.
Esta marca vem do ventre materno.
E a pele tatuada atravessa o tempo
Enruga,
recria as figuras em si.
Com a tinta mais colorida, pinta todos os berros do mundo
Todas as canções
Todas as poesias
Deixando o rastro das cores
não na pele do homem, mas na epiderme da Terra.
Circula pela corrente sangüínea.
Ele cala.
Mas sua voz ecoa
eternamente
mente...
mente...
mente.
Mas não continua estática.
Modula, modelo, modela.
Neologismo.
E estes novantigos fonemas desconexos
Saltam, se beijam.
São seres.
A possessão.
Veja como elas te possuem
Aliás, vocês possuem-se mutuamente.
Pára e contempla esta maravilhosa
Inversão de papéis:
Ela penetra você.
Acintosamente sopra desconhecidos símbolos em seu ouvido.
Mascara-se, transforma-se.
Te seduz...
e te provoca.
Fecha o livro.
Atordoado de sentido.
Senta para não cair.
E procura a chave.
Palavra s.f. 1. Fonema ou grupo de fonemas com uma significação; termo, vocábulo.
2. Sua representação gráfica. 3. Manifestação verbal ou escrita. 4. Faculdade de expressar idéias por meio de sons articulados, fala. 5. Modo de falar.
Questiona o Aurélio
retoricamente.
Será?

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Existência Extraterrestre


O que o ser humano mais aspira é tornar-se um ser humano.
Clarice Lispector


Marcianos invadem a Terra.
São os marcianos que invadem,
Ou nós que somos os marcianos na Terra?
Por que olho no espelho
E não me reconheço mais?
Sou a sombra do que fui um dia
Ou estou me tornando uma pessoa?
Toca Raul.
Eu sou uma metamorfose ambulante
E isso assusta.
Quando foi que aconteceu?

Quando?
Fui abduzida pelos extraterrestres da Terra
E eles alimentam-me
De uma imundície
Que me embrulha o estômago,

Prejudica-me a saúde.
Estamos todos à mercê deles,
Estamos à mercê de nós mesmos.
Porque somos assim
E aceitamos sê-lo!
Continuo em mutação.
Metamorfose ambulante.
Não quero me tornar um deles:
Capturar a sua alma
E manipular o seu cérebro,
Controlar os frágeis, iguais a mim;
Impor as minhas leis.
Matar a esmo,
E rir sobre o sangue em minhas mãos.
E o espírito num frasco.
Não faça chorar.
Jogue, mas não sem antes examinar:
O bumerangue sempre volta pra você.
Quisera eu viver em Marte!
Pego minha nave espacial
E me mudo para lá.
Quem sabe, eu encontre vida em Marte.
Quem sabe (?)

Encontre gente.
E sorrisos menos pérfidos
E vidas menos oprimidas
E almas menos segregadas...



*Escrito em Janeiro de 2008*

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Na Contramão

“Devemos constantemente mudar nossa visão. Quando você acredita que sabe uma coisa, deve olhar sob outro prisma. Quando ler, não considere apenas a visão do autor, considere o que você pensa. Você deve encontrar sua própria voz, quanto mais demorar a começar, menos chance terá de encontrá-la em plenitude.”

Robim Williams em Dead Poets Society.
**
Não apenas pela homenagem ao compositor, até porque esta letra vai muito além, aliás, não é segredo pra ninguém esta minha paixão, já antiga, pelo Renato Russo e todo o fruto de sua obra que contrbuiu (e muito) para o modo de pensar de tantas Legiões de jovens (do passado, presente e futuro).
Não é apenas porque me identifico ou porque choro ouvindo a letra ou porque meu coração, descompassado, acompanha o descompasso da música (e do mundo).
Não é apenas pelo tanto que tenho aprendido (e que todos estão carecas de saber), não só pelos dias estudando sobre a "Reificação Humana" , ou porque me cheira a trabalho bem-feito, em dose dupla.
Também não pensem que quero pregar a minha verdade para todos que lerem este post, estou consciente da hipocrisia da qual, no entanto, sou fruto.
Não quero reproduzir esta oração.
Não quero (apenas) dizer "amém" no final
Palavras repetidas?
Mas quais são as palavras que nunca são ditas?
Algumas, simplesmente, precisam ser repetidas, quantas vezes for necessário
Portanto (e enquanto não encontro outra saída) faço minhas as palavras do Pensador, a partir de agora:
A Terra tá soterrada de violência
de guerra, de sofrimento, de desespero
a gente tá vendo tudo, tá vendo a gente
tá vendo, no nosso espelho, na nossa frente
tá vendo, na nossa frente, aberração
tá vendo, tá sendo visto, querendo ou não
tá vendo, no fim do túnel, escuridão
tá vendo no fim do túnel escuridão
tá vendo a nossa morte anunciada
tá vendo a nossa vida valendo nada
tô vendo, chovendo sangue no meu jardim
tá lindo o sol caindo, que nem granada
tá vindo um carro-bomba na contramão
tá vindo um carro-bomba na contramão
tá vindo um carro-bomba na contramão
tá rindo o suicida na direção
**
A bomba tá explodindo na nossa mão
o medo tá estampado na nossa cara
o erro tá confirmado, tá tudo errado
o jogo dos sete erros, que nunca pára 7, 8, 9, 10... cem
erros meus, erros seus e de Deus também
estupidez, um erro simplório
a bola da vez, enterro, velório
perda total, por todos os lados
do banco do ônibus ao carro importado
teu filho morreu? meu filho também
morreu assaltando, morreu assaltado
tristeza, saudade, por todos os lados
tortura covarde, humilha e destrói
eu vejo um Bin Laden em cada favela
herói da miséria, vilão exemplar
tortura covarde, por todos os lados
tristeza, saudade, humilha e destrói
as balas invadem a minha janela
eu tava dormindo, tentando sonhar
Sou um grão de areia no olho do furacão
em meio a milhões de grãos
cada um na sua busca, cada bússola num coração
cada um lê de uma forma o mesmo ponto de interrogação
nem sempre se pode ter fé
quando o chão desaparece embaixo do seu pé
acreditando na chance de ser feliz
eterna cicatriz
eterno aprendiz das escolhas que fiz
sem amor, eu nada seria
ainda que eu falasse a língua de todas as etnias
de todas as falanges, e facções
ainda que eu gritasse o grito de todas as Legiões
palavras repetidas
mas quais são as palavras que eu mais quero repetir na vida?
Felicidade, Paz, é...
Felicidade, Paz, Sorte
nem sempre se pode ter Fé,
mas nem sempre a fraqueza que se sente quer dizer que a gente não é forte.
"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã
porque se você parar pra pensar na verdade não há"

terça-feira, 10 de junho de 2008

Que gosto tem o mel?


À Helô, minha mais nova querida amiga de todas as horas


Encho minhas narinas com o ar de um novo dia.
Não está ensolarado hoje, mas é bom poder respirar este ar.
Sento-me aqui nesta cadeira porque senti necessidade de falar sobre o que sinto. Ontem à noite voltando da faculdade pensei em escrever, mas já era muito tarde e eu estava exausta.

O meu coração anda batendo tão acelerado, só pode ser estresse...
Hoje quero abrir mão das metáforas que eu tanto aprecio, da linguagem poética, do vocabulário rebuscado, quero falar do que sinto. E o que sinto é tão simples, seu sentido está neste ar que eu respiro, não em palavras sofisticadas, por isso talvez seja tão difícil falar sobre sentimentos.
Entender é que é difícil. E às vezes dói, ontem à noite doeu.

É bonito, tão bonito que dói. Mas também é esquisito, triste. Eu não sei, mas queria saber.
Já desisti porque nunca consigo, embora no fundo, eu saiba que a resposta está muito perto, o que geralmente faço é fechar os olhos para ela, mas quem não faz isso?
Eu estou insegura e totalmente rendida, não é fácil admitir a impotência diante de mim mesma, “mentir para si mesmo é sempre a pior mentira”, por outro lado, é difícil lidar com a verdade, seja ela qual for. Quem diria, logo eu que sempre abominei a mentira! Surpreendo-me mentindo (mais uma vez!).
Nos olhos dele há uma ternura tão grande, não é possível que só eu perceba o quanto ele é um homem solitário. E não precisei conhecê-lo para saber disso, percebi no primeiro momento que o vi. Olhar para os olhos dele me desconcentra e mexe profundamente comigo, pensei inclusive em não encará-lo de frente, mas desisti da idéia, não sei por que, é melhor olhar do que não olhar. De qualquer forma, essas atitudes denotam certo medo, eu acho. Mas é que naqueles olhos não é difícil se perder, olhando para eles ontem viajei para longe, muito longe. Era um lugar onde tocava música, MPB, como ouço agora. Durante todo o tempo meus olhos não o deixaram, mesmo quando eu não olhava para ele, podia vê-lo, eu sempre o observo.
Ele não é bonito, talvez até seja, mas não no meu estilo (a estas alturas, já não sei mais se tenho um), não sei dizer o que vejo quando olho para ele, quem sabe eu não veja, apenas sinta.
Gosto do movimento de seus lábios enquanto fala, gosto do formato de seus dentes, mas principalmente adoro tudo o que o que vem de sua boca, cada palavra! Confesso, antes não era assim.
Ele não é atlético, mas tem um corpo simétrico, gracioso, bonito de ver, e o estilo de quem não está nem aí para a roupa que veste: “Danem-se, pensem o que quiserem de mim!”. *

Observo sua leitura compenetrada. Penso na pessoa que está ali sentada, no pai, no filho, no homem, no intelectual. Transporto-me para outra dimensão, uma realidade só minha, onde a gente caminha pisando no céu, neste lugar os sonhos são possíveis e as loucuras verdadeiras, vividas intensamente, sem medo. Lá não há correntes amarrando meus pulsos e eu posso abraçá-lo, é um sentimento puro, sem interesse. Eu sinto seu coração batendo, há alguém ali, alguém humano, não superior, mas imperfeito, como eu. Um estalo me traz de volta à realidade.* Parece interessante o que ele lê, está ali: “o que será que ele está pensado?”
Há tanta expressão em seu rosto, mais do que em qualquer outro. Tudo nele me atrai. São vontades estranhas que sinto quando olho para ele, quando o ouço falar, a voz, o vocabulário, o jeito... eu quero rir e chorar ao mesmo tempo, como se fosse possível. Mas não. Eu posso afirmar que não estou apaixonada, imagina, nem poderia! Se me apaixonasse, seria paixão e só, é um sentimento que já me é familiar, muito familiar, algo que fica aqui dentro um tempo, aumenta e depois vai embora. Mas dessa vez é diferente, eu sinto e não sei o que, mas vai ser só para mim.
O tempo passa numa velocidade inacreditável. É um tempo surreal, não cronológico. Tudo remete ao fim, parece que essa noite está doida para ir embora e me deixar, há ansiedade no ar e em alguma coisa na voz dele, isso me deixa com raiva, muita raiva. Mas isso já é uma outra história...*
A imagem da sala escura, ele sentado, a perna cruzada, a mão no joelho, esta imagem está aqui dentro e eu vou levar comigo para sempre (até que acabe), seus olhos e seus olhares, seus sorrisos (ele tem vários!), sua boca e o mel. Há mel em sua boca, mas eu acho que é um mel amargo.
Enquanto viajo em sua imagem e penso no gosto que tem o mel, tudo parece fazer sentido bem na minha frente. Mas aqui onde eu estou nada faz sentido.*
Está tão perto, mas está tão longe.
Pelo menos sei que este ar que respiro sai de sua boca, respiro o movimento de seus lábios quando ele fala. Eu poderia beijá-lo (e saber se o mel é mesmo amargo), mas só em pensamento.

**Escrito em Maio de 2008**

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O Livro Riscado


Tomei emprestado da biblioteca municipal um certo livro que me haviam recomendado.
Agora, com todo zelo, corro meus dedos leves por sua capa ocre onde há duas palavras escritas em letra sóbria. Lê-se seu título letárgico em vermelho.
Inicio o meu voraz passeio pelas páginas que trazem em si o amarelado do tempo.
Paro o olhar na terceira delas, onde se pode ler, acima do tombo, uma única frase escrita à mão: Livro com várias páginas riscadas a caneta 04/06/07.
Viro a página. Mergulho no enredo pintado num tom entre o amarelo e o laranja. Um estado de abatimento profundo intensifica-se em mim a cada página virada, a cada capítulo.
Neste livro não há pontos finais, apenas vírgulas. A verdade é que a vida não pára compadecida pelo seu sofrimento.
Capítulo cinco. Sou subitamente arrancada da atmosfera apática da obra novelesca por um pensamento escapista. Interrompo a leitura. Há algo secretamente íntimo unindo-me ao autor daqueles riscos traçados a tinta azul.
Os livros são rabiscos no mundo - a idéia invade meu ser surdamente.- E estes riscos em mim, ao lê-lo, encadeiam, em misteriosos anéis invisíveis, todas as pessoas que já leram este livro, que já correram os olhos por estas palavras...
As nuvens da tarde chuvosa de terça deixam o céu e eu, embriagada pela claridão da verdade (a minha pelo menos), me deixo conduzir pelos pés que antes acreditei estarem me levando à faculdade.
Já não importa mais para onde estou indo. Agora posso ver o caminho neutro do asfalto por onde meus tênis pisam firmes, causando ensurdecedores baques na avenida movimentada, portanto, penso, qualquer destino é bem-vindo.
Outro insight. Vêm à mente as palavras de Vergílio Ferreira, lidas no dia anterior: ... Era necessário que todos os homens vivessem em estado de lucidez; se libertassem das pedras, chegassem ao milagre de ver. Era absolutamente necessário que a vida se iluminasse na evidência da morte.
A máxima lembra-me: Eu deveria estar lendo Ensaio sobre a cegueira. Mas ao invés disto, leio este maldito livro rabiscado.

Os rabiscos incomodam, não?
Voltando à lucidez...
Obrigada, Raduan. Obrigada por arrancar de mim as vendas.
Penso, então, em tudo o que antecedeu e sucedeu àquele momento em que ali, chacoalhada frente à Lavoura, chego à grande evidência de uma breve existência ainda iniciante:
"A vida toda é um livro rabiscado".

terça-feira, 3 de junho de 2008

Acredito que seja notória, em minhas produções atuais, a marca que esta nova fase tem deixado em mim.
Meu olhar tem mudado de forma surpreendente a cada dia. Há, então aqui, toda manhã, uma Mara diferente...
Confesso que dou graças à Deus por estarem terminando os trabalhos, já estava sufocada, parecia uma interminável bateria de loucuras com prazo de validade. A partir de amanhã ânimos renovados para o mundo, para a agitação do dia-a-dia, para enfrentar, sem grandes fraturas, o clima sempre tão tenso do ambiente de trabalho.
Mas dou graças à Deus, também, pelas noites mal dormidas, pelos finais de semana sacrificados, por todo este estresse... cada minuto tem valido a pena.
Sempre digo que somos eternamente responsáveis pela construção do que somos. Espero, sinceramente, que eu tenha razão.
Eu nunca tive tanta certeza de estar no caminho certo.