segunda-feira, 28 de julho de 2008

Música sem preconceitos


Tenho passado por uma pequena fase de bloqueio criativo. Digo pequena porque espero que passe logo, pois apesar de ter vários textos não publicados, gostaria de algo novo neste espaço. A "tentativa" de crítica a seguir custou a ser escrita, portanto não esperem muito dela. Aproveito para registrar os meus sinceros agradecimentos aos leitores deste blog, são vocês que me impulsionam a continuar.

“Aqui estou na difícil missão de levar a você uma mensagem que possa ser como uma luz ou um mantra, nós não somos mais crianças. Um dia acontece, a gente tem que crescer, temos que encarar a ‘responsa’. Eu não deixei de achar graça nas coisas, simplesmente hoje eu quero ser levado a sério; as coisas mudam sempre, mas a vida não é só como eu espero.”


Por volta de quatro horas da tarde de terça-feira toca o celular, ainda no trabalho, eu, sem reconhecer o número no visor, atendo um tantinho intrigada.
- Alô.
- Marinha, sou eu, a Ná.
- Ah... oi Ná, tudo bem?
- Tudo. Marinha, será que você conseguiria sair mais cedo do trabalho amanhã?

*

Já passava das nove da noite, em plena quarta-feira. E a platéia, ansiosa devido às mais de duas horas de espera, entoava, em coro, seu apelo impaciente:

- Charlie Brown, Charlie Brown, Charlie Brown…

As luzes do palco, que já haviam sido apagadas há algum tempo, não eram índice de que o show fosse, finalmente, começar.
De súbito, ouve-se uma voz que, reconhecida imediatamente, causa ainda mais frisson:

- Que pressa é essa?

O show era resultado da promoção de uma famosa rádio de São Paulo. Duzentos felizardos aniversariantes e seus dois convidados iriam curtir Charlie Brown Jr., num evento exclusivo.
Confesso que, como grande parte das pessoas, tinha certo preconceito com relação à banda, mas é claro que eu não poderia recusar um convite desses. Primeiro, porque vinha da Ná, uma grande amiga, segundo, porque eu sabia que seria uma experiência legal, afinal não é todo dia que temos a oportunidade de ir a um show exclusivo e com tudo “na faixa”.
O surpreendente foi que eu gostei muito mais do que pensei que gostaria, e digo mais, a espera valeu a pena. Calma, explico.
A dois metros do palco não há quem não se emocione. Ponho minha mão no fogo como, até o mais devoto dos amigos cult que tenho, balançaria com a emoção de estar ali. E acredito que o principal motivo seja a sinceridade que os caras espiram. É nítida a crença que eles têm em seu próprio trabalho, e não poderia ser diferente, digo o porquê.
Havia ali, em torno de quatrocentos jovens que cresceram ouvindo suas músicas, que sabiam todas as letras de cor e que vibravam com a energia positiva em torno deles.
A questão aqui é bastante delicada, estamos falando de um público jovem, uma galera que curte um som que tenha a sua cara e o rock é o estilo musical que tem embalado jovens, de vários cantos do mundo, há mais de meio século.
Temos que encarar a ‘responsa’. Perceba como esta letra é verdadeira, de fato, as bandas de rock carregam a enorme responsabilidade de compor o cenário conturbado da adolescência e, além de falar aos jovens, devem ter a consciência de que é nessa fase que firmamos nosso caráter. E a música, sendo uma das ferramentas de expressão mais acessíveis à grande massa e elemento fundamental à vida das pessoas, participa, enquanto forma de arte, na formação da visão de mundo do público que a prestigia. Está aí a responsabilidade das bandas jovens.
E, a meu ver, Charlie Brown é exemplo. É claro que ninguém é obrigado a concordar, também sabemos que todo artista comete lá os seus deslizes. Mas o rock do Charlie Brown está explicitamente mais maduro e a maioria de suas letras pregam o amor. Ora, achando clichê ou não, qual é a outra solução que se vê em tempos difíceis como os nossos, senão o amor?
As músicas têm acompanhado a evolução da banda, ainda que a maioria dos fãs prefira “as antigas”, o que se percebe é que a batida rebelde com letra provocadora tem dado lugar à sons mais melodiosos e à letras com mensagens de paz. É fácil notar tal maturidade através da comparação de dois grandes hits, a idealista “Lugar ao sol”, de 2001 e a atual música de trabalho “Uma criança com o seu olhar”.

“Que bom viver, como é bom sonhar
E o que ficou pra trás passou e eu não me importei
Foi até melhor, tive que pensar em algo novo que fizesse sentido
Ainda vejo o mundo com os olhos de criança
Que só quer brincar e não tanta responsa
Mas a vida cobra sério e realmente não dá pra fugir
Livre pra poder sorrir, sim
Livre pra poder buscar o meu lugar ao sol”

“(...) nós não somos mais crianças
Um dia acontece, a gente tem que crescer
Temos que encarar a responsa
Eu não deixei de achar graça nas coisas
Simplesmente hoje eu quero ser levado a sério
As coisas mudam sempre, mas a vida não é só como eu espero
Existe um dom natural que todos temos
Nossas escolhas vão dizer pra onde iremos(...)
Armadilhas do tempo são como o vento
Levando as folhas para lugares distantes,
O meu pensamento é o mesmo que o seu
Mas hoje meu coração bate mais forte que antes”

Se repararmos bem, as duas músicas têm muito em comum, inclusive pelo som, tanto Lugar ao sol, quanto Uma criança com o seu olhar, são as mais melodiosas de seus respectivos álbuns. A proposta também é a mesma, porém na segunda, a luta pelos objetivos foi encarada de forma mais “pé no chão”, sem deixar de lado a identidade da banda, enquanto banda jovem.
O ardil de Chorão e companhia consiste em pregar o amor como a força que nos leva a lutar pelos sonhos, o amor pelo que se é, pelo que se faz, o amor pelas raízes e pelo esporte. O fato deles viverem isto é o que torna ainda mais fascinante e verdadeira a trajetória do grupo até aqui.
Nunca vou me esquecer do que vi e senti naquela noite. De certa forma, posso dizer que eu mudei.
Abro minha mente para novas possibilidades e me abstenho de preconceitos. Curtindo o som ou não, sendo culturalmente enriquecedor ou não, sendo som para maloqueiro ou não, seja qual for a sua opinião (acredite, ela provavelmente seja bem parecida com a que eu tinha antes), é necessário que se observe.
Música é questão de gosto, assim como qualquer arte, e, sendo questão de gosto, não agradará à gregos e troianos, por isso temos tantos críticos de arte por aí. E antes que você diga: “Mas este rock do asfalto, totalmente sem conteúdo, não é arte”, pare e pense sobre o que você anda ouvindo ultimamente, será que é verdadeiro, ou você está apenas enriquecendo ainda mais a indústria fonográfica? Ou ainda, você, provavelmente, diga: “Boa música é MPB. É Tom, Elis é Chico Buarque...”.
Ok. Concordo, e em hipótese alguma desmereço. Mas é extremamente necessário que se tenha consciência de que a música POP está aí e é tão brasileira quanto a MPB, e, muito provavelmente, mais ouvida. E se traz verdade, se tem identidade, fé no que se faz e no que se tem a dizer, então, merece nosso crédito. Ou, no mínimo, respeito.
Quanto ao que eu aprendi, os estilos populares também podem ser libertadores:

O que vale nessa vida é o que se vive é o que se faz
Mas o que pode se esperar de uma pessoa que não pode
sonhar?
Como ele pode ter o que dele está tão longe?
Na vitrine coisas que ele nunca vai poder ter
Se ninguém o ajudar o que ele vai fazer?
Onde vai morar e o que vai ser quando crescer?
Quando vem da rua,
que é sua, que é minha, que é de ninguém
É tudo uma ilusão e você sabe muito bem
Impunidade, hipocrisia, dançam de mãos dadas
O hino nacional de uma nação condenada
A sociedade prega o bem
Mas o sistema só alimenta o que é mal
Se a nossa cara é prosperar,
o povo tem que evoluir também
Quase de manhã, mais uma noite no vazio
me auto-desafio, lá fora o mundo louco
sem perdão nem compaixão
A combustão em rota de colisão
A sinfonia da destruição
Vivendo o sonho e também o pesadelo
Vendo o mundo regredindo entre a fé e o dinheiro
Saudades do meu pai e dos amigos que morreram
Mas o que o velho me ensinou eu jamais me esqueço
Seja lá como for, na vida tudo tem seu preço
No mundo, o falso e o verdadeiro se confundem
Mas os que sabem jamais se iludem
Não é fácil encontrar o caminho
Mas é bom olhar pro lado e ver que não estou sozinho...
Todo o mal que é dirigido a nós
Nos fortalece e eu não vou desistir
(O que vale nessa vida é o que se vive é o que se faz)
Nas armadilhas que eu cai
Eu fiquei só e ninguém viu
(O que vale nessa vida é o que se vive é o que se faz)
O que pode se esperar de um ser humano perdido?
Que ele viva como se nunca fosse morrer?
Ou que ele morra como se nunca tivesse vivido?
O que pode se esperar de uma pessoa que não pode
sonhar?

I wanna think about tomorrow
'Cause tomorrow I want to be with you
Don't wanna live in quite sorrow
But that's the way the world will follow
It's all in my mind
Just wanna be myself for sometimes
Just wanna be myself

Acostumado desde cedo com a desgraça
em temporada de caça, um subnutrido
vítima da farsa, se formou na escola do crime
hoje o oprimido é quem oprimi
Uma alma carregada de ódio e amor
Mas muito mais ódio que amor
O aluno é também o professor
que ensina qualquer um que não sabe dar valor
à vida que tem ou à casa que mora
que vive sorrindo enquanto ele chora
Só mais um de milhares que se espalham
vítima dos nossos governantes que falharam
Todo o mal que é dirigido a nós
Nos fortalece e eu não vou desistir
(O que vale nessa vida é o que se vive é o que se faz)
Nas armadilhas que eu cai
Eu fiquei só e ninguém viu
(O que vale nessa vida é o que se vive é o que se faz)

I just wanna be myself...
Yeah! Yeah! Play your position
'Cause the world does the man
Little kids visions
May my sins be forgiven
Gotta have faith so
You can do what you wanna do
Gotta be this way So don't fool
'Cause the world is Cruel
Live by the sword, then you die by the sword
When I'm asking for peace in the middle of a war
Between blacks and whites, between rich and poor
So we can stop the mess overseas and all

Trabalho muito, vivo a vida, skateboard estilo de vida
um brilho intenso e a humildade de uma mente evoluída.

(Be Myself, Chorão e Thiago Castanho)






sexta-feira, 18 de julho de 2008

Medíocre



À Rafael Nunes, o poeta anônimo


Eu sou poética demais
Para gostar do concreto
Números são (exatos) demais
Enquanto palavras são (imprecisas) de menos
Eu sou sentimental demais
Para compreender a lógica
Não há espaço para filosofia
Quando o coração está repleto.
Prefiro pensar com o coração
Limito-me a isso
Assim como minha poesia é limitada,
Pois meu ser é simples
Simples existência sem razão
Em meio à multidão sem chão,
Correndo às voltas (sem intenção), na imensidão
Multidão, sem expressão
Presa a mais números (o que já são).
As horas passam... Apenas unidades de medida.
Eles te controlam.
Vida?
É esta a vida que temos.
E nada mais.
Nunca devo ter problemas com o tempo
Aquilo que dita o que você é: Seu saldo bancário
Quantos diplomas você tem?
Quantas horas - extra trabalhou?
Estes são os registros gerais da ignorância humana
Que classificam pessoas com código de barras
Não admito ser mais 1 número
Que ironia, já sou
Nasci em seis do quatro
e ganhei uma certidão por isso
Tornar-se-á o registro um arquivo
E estes números, pó,
No fim.
Por ora, dedico - me a ser quem sou
E a fazer o que faço.
Fui inspirada (a escrever) por um poeta anônimo
Mais um Zé - Ninguém falando para ninguém ouvir
Ele nem se quer tem idade para votar
Mas é muito mais gente do que muita gente grande por aí.
Talvez eu não devesse fazer o que faço
Mas sempre que tento fugir,
sou levada, forçada a continuar...
e gosto!
Pronto
Admiti.
Assinei a minha condenação,
Não vou mais negar, não quero mais mentir
Sou uma pessoa de palavra
E confesso
Respiro poesia, durmo poesia, almoço poesia
Vivo poesia
E isto é tudo o que importa para mim, neste momento
São estas raízes
São as raízes de minha vil existência cravadas
na abstratez das palavras.


*Escrito em Novembro de 2007

quarta-feira, 16 de julho de 2008

[ ]



- Pry, você tem alguma coisa pra fazer no intervalo?
- Não nada.
- É que faz tanto tempo que a gente não conversa...
- É verdade.
- Eu sinto tanta falta dos nossos “papos furados”, Pry!
- Eu também.
- Podemos passar o intervalo juntas então?
- Claro que sim, vai ser ótimo!
*

- Então, Pry, é isso que está acontecendo.
- Vixi, Marina! Nem sei o que dizer, eu sempre achei esse menino muito estranho, você sabe.
- Aiiii, Pry... calma que ele tá vindo aí.
- Ahahaha, essa é boa! Quem tem que ficar calma é você!
- Oi linda!
- Oi Paulo. Esta é a Pry, minha amiga.
- Oi, tudo bem?
- Tudo.
- Nossa Má, o que você fez? Seus olhos estão diferentes.
- É a maquiagem.
- Tá lindo! Você deveria fazer sempre. Pensando bem, sempre não, só às vezes, pra mudar um pouco! Não acha?
- Acho, acho. – a Pry respondeu fazendo força para segurar o riso.
- Tá indo pra aula de quê?
- Matemática e você?
- Nem sei... que aula a gente tem agora, Pry?
- Num lembro.
- Putz é mesmo, eu tenho muita coisa para resolver antes da aula, melhor eu ir.
- Vai lá.
- Beijo.
*

- Ahahahahaha
- Que foi, Pry, tá rindo do quê?
- Ah, Má, você vai ter que me desculpar, mas é ridículo!
- Ah, que bom! Agora você tá caçoando de mim!
- Não é de você.
- Do que é então?
- Dos dois.
- Eu pensei que você fosse minha amiga, além de rir de mim, também tá rindo do Paulo, por acaso não acabei de te contar que estou apaixonada por ele?
- Eu sei, Marina, por isso que pedi desculpa, mas tenho que ser sincera...
- ...
- A forma como vocês dois agem um com o outro é, no mínimo, estranha: vocês travam!
- Achei que fosse só eu. Então você acha que ele também fica sem saber o que dizer na minha presença?
- Você deve estar brincando... “devia fazer isso sempre, ou melhor, só de vez em quando pra mudar um pouco, não acha?” ele parecia mais um consultor de moda!
- Ah, Pry, não brinca assim não.
- Não estou brincando, ele perdeu totalmente a noção do ridículo com você!
- É uma relação estranha mesmo, eu tenho que admitir.
- Exatamente isso.


*Escrito em Agosto de 2006

P.S.:

  • Acaso: Conjunto de causas independentes entre si que, por leis ignoradas, determinam um acontecimento qualquer.

  • Destino: Sucessão de fatos que podem ou não ocorrer, e que constituem a vida do homem, considerados como resultantes de causas independentes de sua vontade.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Fiz um apanhado de antigos textos meus, os que eu julgar que vale a pena, postarei aqui nos próximos dias, as postagens referentes a estes textos levarão o marcador "textos antigos".
O pequeno conto a seguir foi escrito no segundo semestre de 2006.
***
(Des)encontro

- Ops... Desculpa... Ah! Oi tudo bem? Não vi que era você...
- Tudo bem, e com você?
- Tudo.
- Quanto tempo! O que anda fazendo da vida?
- Nada de mais, só o de sempre!
- Saudade...
- Também estava.
- Você está linda como sempre!
Eu tremia como que em febre, quando ouvi esta frase meu coração disparou... senti um calafrio, meus pés saíram do chão... seus dedos tocaram meu rosto, eu estava imóvel, ele colocou meu cabelo, que caía displicentemente pela face, atrás da orelha...
- Imagina! São seus olhos.
Eu estava mais atrasada do que antes, subi as escadas correndo, com o coração batendo ainda mais rápido, cheguei na sala, abri a porta ofegante:
- Professora, posso entrar?
- Atrasada de novo? Pode entrar, mas vai ficar com falta nesta aula.
- Tudo bem professora, prometo que não vai mais acontecer!
Eu fiz tal promessa sabendo que não iria conseguir cumprir, sempre tive problemas com os meus horários, não por falta de responsabilidade, mas porque o tempo é algo que sempre fugiu ao meu controle, algo muito influente que eu nunca entendi direito.
Mas eu não estava preocupada com promessa nenhuma, nem com aula nenhuma, naquele momento eu só conseguia pensar em uma coisa: aquela boca que há pouco esteve tão perto da minha...
- O que aconteceu Marina? Você está pálida!
- Você não vai acreditar...
- O que o Paulinho fez desta vez?
- Ah não, Pry, eu sou tão transparente assim?
- A verdade?
- ...
- É!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O amor é uma força da natureza.


Passados mais de dois anos de sua estréia nos cinemas nacionais, assisti, na última sexta-feira, ao filme, do cineasta taiwanês Ang Lee, “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), como foi chamado no Brasil.
Longe de ser um clássico, o filme, para a redenção de Ang Lee, está ainda mais longe de se encaixar nos moldes do entretenimento de massa, como foi Hulk, uma das últimas produções do diretor.
Para quem procura ação, com certeza, eu não recomendaria Brokeback. Há quem diga que seu roteiro é “arrastado”, a meu ver, este “marasmo” é uma estratégia inteligente e indispensável ao desenvolvimento do enredo. Brokeback é, ao contrário, um filme emotivo.
A produção recebeu oito indicações ao oscar, incluindo melhor filme, sendo considerado o favorito a vencer nessa categoria (não que isto seja de extrema relevância para mim, mas o oscar é sempre uma referência, se este é um fator positivo ou não, já é outra história).
Mas para o desapontamento da crítica, Brokeback não levou a estatueta, senão pela direção de Ang Lee, cabe dizer que, este foi o primeiro oscar do cineasta. Além da categoria “melhor diretor”, o filme levou mais duas estatuetas: Melhor roteiro adaptado e melhor trilha sonora original, sem contar inúmeras premiações em eventos estrangeiros.
Confesso que nada disso importou quando fiz a escolha do filme: foi totalmente ao acaso e à seco; não li a sinopse, apenas aluguei.
Mencionei este detalhe porque o considero indispensável para a minha posterior impressão, na qual é fundamentada toda esta crítica.
As belas paisagens montanhosas do Estado de Wyoming, no meio-oeste americano e do, também interiorano, Texas, foram o cenário utilizado para trazer às telas a controversa e polêmica temática da homossexualidade.
Brokeback é baseado no conto homônimo da jornalista e escritora americana Annie Proulx e conta a história de Ennis Del Mar e Jack Twist, dois jovens cowboys que se conhecem durante um emprego temporário no verão de 1963.
Isolados do mundo no alto da Montanha Brokeback, e tendo como companhia apenas dois cavalos, cães e o rebanho de ovelhas que foram contratados para proteger, os diálogos entre os personagens centrais são sempre bastante densos, o que faz com que cresça, de forma hiper sutil, uma amizade e um companheirismo instintivo e conflituoso que culmina, surpreendentemente, num urgente encontro sexual entre os dois.
O roteiro, igualmente perturbado, parece seguir à risca o estado de humor dos personagens, que, mesmo apaixonados, são obrigados a seguir caminhos diferentes.
Embora a sutileza seja a marca registrada nas relações entre os personagens, e, de fato, há um clima de tensão do primeiro ao último minuto, o que dá charme à Brokeback é justamente o contraste dado pelas atitudes sempre tão extremadas dos personagens, após longos períodos de repressão dos sentimentos.
O grande trunfo da obra-prima de Ang Lee, além das brilhantes atuações do falecido ator australiano Heath Ledger e do americano Jake Gyllenhaal, é, sem dúvida, a sensibilidade e a concisão com que o enredo se desenvolve.
O filme é todo uma grande surpresa, a começar por se tratar da história de amor entre dois cowboys, o que, de certa forma, subverte a antiga imagem de homens machões que se tem dos cowboys desde os antigos westerns.
E realmente, até a primeira cena de sexo do filme, o que menos se imagina é que eles sejam gays, na realidade, é necessário que se enfatize, nem os próprios sabiam disso.
Brokeback é um filme de poucas palavras e repleto de sentidos implícitos.
E, aproveitando-se desta atmosfera silenciosa, dispara um tiro certeiro que atinge paradigmas sociais complexos. Com um roteiro provocante, o filme levanta questões difíceis, tocando também em profundos e delicados princípios individuais, e se não exagero, desequilibrando padrões de pensamento, leva os espectadores a rever certos conceitos. E a questão vai muito além do preconceito e da homofobia.
O Segredo de Brokeback Mountain é, antes de mais nada, um filme sobre amor.
E se o amor é mesmo uma força da natureza (como são os instintos); se amar não se aprende, não se renega, apenas se ama, então Brokeback talvez seja uma das obras que trouxe com mais propriedade a temática do amor enquanto tal, na história do cinema. Isto, claro, na minha leiga e humilde opinião.
Quanto ao medo e aos opostos, este duelo impregnado na atmosfera do filme vem ilustrando o que, a meu ver, caracteriza o grande dilema humano:
Arriscar-se à felicidade ou passar a vida se escondendo?
Ennis Del Mar e Jack Twist fizeram suas escolhas. E o final é óbvio, mas ainda assim, surpreendente (e também neste sentido a arte imita a vida), como não poderia deixar de ser.




Leia o conto de Annie Proulx na íntegra.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Alusão à Clarice



O trecho que se segue é um fragmento da obra, de Clarice Lispector, “A hora da estrela” e entre todos os seus significados para mim, três deles merecem destaque.
Primeiro: é Clarice e isto já fala por si só.
Segundo: é A hora da estrela, o último grito da autora. Sou suspeita em dizer, visto a marca que este texto deixou em mim, que esta talvez seja a melhor obra da pessoa que soube, como ninguém, traduzir em palavras o universo feminino. Cada uma dessas tão genialmente traçadas linhas, falam diretamente à alma, à minha alma. E creio que também a todos aqueles que apreciam as formas de expressão da arte, seja ela qual for.
E terceiro: Esta parte introdutória do livro foi adaptada para o teatro por uma grande amiga, Juliana Gregolin, para uma peça intitulada "Quimera", da qual eu tive a honra de ser co-roteirista e a última da Companhia de Artes Salada Mista, da qual, orgulhosamente, fui membro por três anos.
Dedico este cantinho do meu blog aos meus queridos amigos, colegas de sala e companheiros de grupo.
Nós tivemos a sorte de ser etianos e mais do que isto, de termos uns aos outros.
Aos quinze, éramos jovens engajados e, por um objetivo em comum, nos unimos numa parceria que durou até o fim do Ensino Médio.
O terceiro H fez história. Quem dera que todos aproveitassem as oportunidades que a vida nos dá, como nós fizemos...
Hoje somos "gente grande", seguimos nosso caminho, alguns na faculdade, alguns trabalhando, mas cada qual com seu projeto particular de vida. Mas sabe, essa parceria não durou, como eu disse, apenas três anos, há um pedacinho de cada um marcado para sempre no outro.
E quem sabe não haja mesmo a reapresentação, que tanto queríamos, em agosto?
Mesmo com algumas pessoas longe, o coração carrega, ainda, o sentimento do mundo.

“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré história já havia monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa essa história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente – é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e a falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida [...]”



* Veja a lista de links ao lado, na seção: “... e nasceu uma grande parceria”.