quinta-feira, 23 de julho de 2009

Lembranças Póstumas

Baseada no filme "Sete Vidas"


"Viver intensamente envolve, inclusive, viver a dor."



Sim. Sinto-me culpado, mas não é por isso que faço o que faço. A culpa por si só não justificaria. Faço isso pra viver, pois sei que depois de fazê-lo não haverá mais vida, não para mim.
Não quero, de maneira alguma, ser um mártir, quero apenas devolver aquilo que roubei.
Só assim poderei ser quem sou em plenitude. Desde que ela se foi não tenho sido senão um vegetal.
Não quero, de maneira alguma, ser um bom samaritano, um super herói, quero apenas suportar os dias sabendo que não cruzei os braços, ou simplesmente ignorei como a maioria.
Só assim poderei alcançar a morte com alguma dignidade, não me considerando um inválido, ou pior, um ingrato, alguém que foi agraciado com uma alma, ar, água e luz e nada ofereceu em troca.
Juro, não é apenas a culpa que me move a fazer o que faço, não quero me redimir de nada, afinal não há o que possa libertar-me de meu pecado.
Não faço isso esperando que meus atos sejam redentores, ao contrário, aceito minha pena. Todos os dias agradeço por estar sendo punido da maneira mais severa, a falta dela me mata em vida, mas eu mereço, afinal.
Quero que quando chegue a hora de partir eu não leve nada, pois não tenho nada. O que tenho não é meu.
Não quero nem sequer morrer com a consciência tranqüila, pois isso já não tenho desde que aquele acidente mudou a minha vida.
Eu fui o único sobrevivente, mas em breve as coisas irão mudar. Poderei dar vida a outras pessoas, não ligo se para isso tiver de abrir mão da minha própria, aliás, este é o plano, devolver o que não é meu.
Sete vidas desperdiçadas. Sete pessoas mortas por conta da minha imprudência, da minha ganância.
Eu que achava que tinha a vida perfeita, o emprego dos sonhos, hoje sou assombrado pelos fantasmas das sete pessoas que foram roubadas por mim, não é justo que elas tenham morrido e eu continue aqui. Mas estou, e não suportarei fechar os olhos e continuar ignorando.


Foi assim que abandonei uma carreira estável e promissora, assumi uma identidade falsa e ajudei as pessoas, mas apenas aquelas que realmente mereciam, as almas boas, dignas, corretas e que tinham esperança na vida.
Dei tudo o que tinha: bens, tempo, afeto, sangue, órgãos... queria sentir a dor que eles sentiam. Doei medula sem anestesia, pensei sobre a morte como uma presença iminente e íntima, tal como ela é para um paciente terminal.
Quase perdi, pela segunda vez, um grande amor. Assim, chegou a minha hora, salvei a mulher que amava.
A morte não é tão ruim quando ela vem para trazer vida, meu coração continuou batendo depois que parti. No peito do meu grande amor, eu estava vivo. Vivo como nunca.

domingo, 12 de julho de 2009

Milionário versus Benjamin Button


Depois de meses ensaiando, finalmente assisti ao ganhador do Oscar deste ano. Estava ansiosa para vê-lo, mas a oportunidade não vinha.
Antes da premiação, tinha a idéia de assistir aos indicados a fim de obter parâmetros para fazer minha própria avaliação. Como nos outros anos, a idéia não se concretizou e acabei por ver apenas o “Curioso Caso de Benjamin Button”, filme que não apenas despertou uma profunda admiração, como conquistou o topo da minha lista de favoritos. Indubitavelmente, uma obra prima do cinema americano da última década.
Foi impossível esconder a decepção quando a estatueta não veio. Controlei a indignação até que pudesse tirar conclusões menos injustas. Enfim a oportunidade chegou.
Bem, vamos então ao ganhador: Slumdog millionaire (Reino Unido/Índia, 2008) se trata de um projeto revolucionário que foge aos padrões hollywoodianos, não apenas pelo baixo orçamento e por ter sido rodado muito longe das fronteiras americanas, mas sobretudo, pela roupagem. O que, em minha opinião, foi o grande acerto do filme. Inovador e, pelas próprias condições, surpreendente.
Algumas tomadas, logo no início, me lembraram um estilo muito explorado pelo cinema nacional, a cena dos garotos correndo pelas vielas da favela, filmadas quase sempre de frente ou de cima, com cortes secos e uma maior velocidade na mudança de ângulos, compele dinamismo e ação à cena e causa uma sensação de impaciência e aflição aos expectadores. A estética documental e veloz remetem ao filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, a diferença se observa numa fotografia mais trabalhada, que torna as imagens menos cruas e mais suaves, causando a impressão de um sutil desbotamento responsável pela instauração de uma atmosfera poético-moderna nas cenas.
Mas o que de fato teria feito de “Quem quer ser um milionário” merecedor da estatueta de melhor filme? A principal razão talvez tenha sido o fato de que a produção, valendo-se de um argumento tão pífio quanto um programa televisivo de entretenimento de massa, o transformou numa história de valor digna de ser não apenas assistida, mas admirada.
Não fosse pela brilhante maneira com que a história foi contada, ela estaria condenada à mediocridade, aliás, se pensarmos em termos do enredo em si, e desconsiderarmos a proeza artística de Danny Boyle, podemos dizer que a história do garoto pobre, porém bondoso e perseverante e da mocinha sofredora e submissa, não caracteriza nenhuma inovação no cinema, muito pelo contrário, trata-se de uma repetição desgastada. A própria “história de amor impossível”, chapada, sem nenhum diferencial das outras tantas espalhadas por aí, teria sido capaz de tornar o filme um fiasco, caso ele se resumisse a isso, o que não ocorre.
Bonito e interessante, “Quem quer ser um milionário” revela o verdadeiro princípio do saber humano, deixando claro que o aprendizado nada tem a ver com o simples preenchimento de uma vaga na escola, ou com as oportunidades proporcionadas pelo dinheiro, mas com as experiências e o sentimento experimentado em cada situação vivida.
Há muito mais pra se falar sobre o filme, a montagem, a direção de som, a edição, são alguns de seus destaques, contudo, inicialmente esta crítica tinha outra intenção.
Se fosse eu a julgar, Benjamin Button teria levado o prêmio, sobretudo porque como já disse, para mim se trata de um filme completo.
“Benjamin” possui um bom argumento, um roteiro bem lapidado, ademais de a direção ter acertado em cheio, boas atuações e uma direção de arte formidável tornaram o filme profundo, além de comovente. Um filme que nos inspira e que a cada vez que se assiste, percebe-se algo novo acerca da condição e das relações humanas. Ao contrário de “Milionário”, não tem um final feliz, mas sim melancólico, justamente porque se aproxima mais da realidade, ao mesmo tempo em que se distancia pelo fantástico da obra. Só mais uma diferença: Benjamin Button não é um filme burguês disfarçado de plebeu.
De um lado, uma produção quase que independente, contando com um orçamento mínimo, gravado na Índia e com um elenco desprovido de atores consagrados, porém com uma história movida pela ideologia capitalista.
De outro, um filme tipicamente hollywoodiano, produzido com um orçamento generoso, roteirizado e dirigido por grandes nomes e protagonizado por Brad Pitt e Cate Blanchett.
É fato que este ano a academia surpreendeu (mas nem tanto). Também o é, que eu própria esteja surpresa por ter preferido o segundo, geralmente a simplicidade artística condiz mais com o meu estilo. Mas dessa vez, caro leitor, fico com a legitimidade.
Enfim, lanço a seguinte questão: a avaliação que define o “melhor filme” não deve levar em consideração o conjunto da obra? Pois bem, pelo conjunto da obra “Milionário” deixou a desejar, contudo vale assistir uma segunda vez, afinal bons filmes se renovam a cada sessão.