quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A saída

Esta manhã notei que há muito tempo não sonhava. A ficha ainda não caiu muito bem, mas o medo e o vazio já começam a bater na porta. Apesar de alguns dizerem que é o começo, outros o meio, é, na verdade, o fim das coisas o momento mais complicado, mas também o mais libertador.
Hoje acordei às 10:15 com o despertador tocando. É claro que não precisava, mas acho que há anos não sei o que é acordar espontâneamente. Mal acordar e já enfrentar a correria da cidade, o mundo todo despertando e se dirigindo para o trabalho (como zumbis). A imensa maioria triste, insatisfeita, cansada. Eu estava cansada.
Que bom atualizar o anti-vírus, encontrar de novo as páginas azuis do orkut, marcar consulta médica para o horário que bem entender. Que bom abrir o Word e voltar a escrever, ir de van pra faculdade, não perder mais aulas, nem chegar atrasada. Que bom poder de novo ser eu. Poder de novo pensar e sentir como eu. Não como máquina, não como assalariada. O trabalho cega, sufoca, aliena. Marx estava coberto de razão. É uma pena que nem todos o conheçam. Se conhecessem, talvez fossem capazes de enxergar o problema. Talvez tivessem força para vencer o medo, para ser subversivo. Talvez não.
Me dê apenas um motivo para fazer o que não gosto em troca de dinheiro.
Não havia mais motivos. E fiz a minha escolha. Agora aproprio-me de novo de mim mesma. Estou novamente livre para pensar! Posso agora dormir sem ter hora para acordar. E partir de agora, quem sabe, possa voltar a sonhar.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

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Amor, onde estou?
Perdi-me na complexidade de ti, na complexidade do mundo, na complexidade de mim.
Amor, a vida é um sonho afinal, e a gente nem se dá conta.
Às vezes é pesadelo e a gente sente.
Raras vezes é felicidade, amor. E a gente sente também.
Somos só sentimento, (sem) sentido. Sem.
E quando não sente, endurece, perde a ternura...
Emudece.
A tinta seca.
E a gente vai deixando a vida levar (sem poder viver)...
A finalidade é simplesmente existir.
Quero, no final, o epitáfio mais correto:
"Aqui jaz alguém que existiu"
Produziu?
Pensou?
Sorriu?
Chorou?
Amou...?
O que tenho (temos) feito...
O que fiz(eram) de mim...
O que (você) faz comigo...
E como a vida se faz... (é por nós, é de nós)
Uma questão de significantes. De "o que", "como", "quando", "por que".
Oh meu Deus, isso é tão humano!
E para a existência tanto faz, ela é auto-explicativa e está acima de qualquer significado.

*

"Às vezes ouço o vento passar, e só de ouvir o vento passar, já vale a pena ter nascido."
(Fernando Pessoa)


quinta-feira, 11 de março de 2010

Conclusões de um eremita IV



A verdadeira alegria acontece naquele raro e efêmero instante em que você se dá conta de que, por si só, viver vale a pena.



quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O que era poesia, virou prosa

"Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!"

(Fragmento do poema "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu)






Hoje retornei ao lugar onde cresci
A fachada ainda é a mesma,
Mas foi com outros olhos que a vi
Olhos virulentos, infectados pela adultez
que torna tudo meio embaçado, fora de foco, irreal...
Já na portaria encontrei um dos homens
que mancham de preto a paisagem
E pude sentir o pesar de ser impedida de entrar em casa
Pesar e não revolta porque no fundo eu sabia
que aquele não era mais o meu lugar
Mas, na verdade, ele não me impediu
Eu é que pedi permissão para entrar
Assumi minha condição de visitante (não sem dor)
Não preciso dizer que não havia espaço
Para os homens de preto no lugar onde eu cresci
Aliás eles contradizem todas as significações
daquele lugar
(Têm mais a ver com a vida de agora)
E eu ainda peço permissão!
Quando eles chegaram sim, eu me senti afrontada,
eram intrusos em minha casa
Mas hoje não
Hoje eu era a intrusa,
Uma intrusa que se orgulhava de um dia
Ter sido a dona.
Assim eu cruzei o portão,
Olhei cada árvore,
Analisei cada espaço,
Estava tudo tão diferente
E ao mesmo tempo tão igual
Diferente porque, primeiro, estava vazio
E porque algumas coisas estavam fora do lugar
E igual porque as imagens
Eram exatamente aquelas imagens de minha lembrança
Verdes, muito verdes!
Os tons quentes eram provenientes dos raios de sol
(Não me lembro de dias chuvosos no lugar onde cresci)
Acho até que a vida era mais colorida
naquela época
E a cor que predominava era o verde
Continuei a passos lentos,
Pela primeira vez em muito tempo
Eu não estava com pressa.
Subi degrau por degrau
Ao invés de subir pelo estacionamento,
Visitei cada ambiente, vi avisos no quadro
E artes nos murais
Vi fotos nos painéis e pensei.
Pensei que é tudo uma questão de tempo.
Sabe-se lá quando não haverá mais espaço
para a minha foto no painel...
Lembrei das manhãs, das tardes
E das noites de lá, tão diferentes da noite de hoje
Lembrei dos rostos
E de cada sorriso estampado neles
E do gramado sempre cheio de crianças
(Eram crianças e não sabiam!)
E das pessoas que recebi dizendo:
"Este lugar é mágico! Aproveitem cada minuto.
Três anos passam pelo buraco de uma agulha
e quando se derem conta, o tempo acabou."
Acabou a chance de ser criança.
O lugar onde eu cresci, meus caros,
não é uma cidadezinha, uma rua, ou uma casa
O lugar onde eu cresci é uma escola
A melhor, a mais fantástica
A inefável escola onde eu,
premiada tal qual o felizardo ganhador de loteria,
pude viver
Disse viver, não estudar.
Onde eu pude encontrar a mim mesma
(ou a várias "mim mesmas")
antes de me tornar o que sou agora
O lugar onde eu aprendi que família é aquela que a gente escolhe.
Lá, na minha bolha particular,
Na minha zona de conforto
Eu soube o que era felicidade
Ali eu estava protegida dos perigos do mundo
Meu universo paralelo,
Meu lugar ideal...

Hoje eu retornei ao lugar onde cresci
Mas foi com outros olhos que o vi
Olhos de estranha
Olhos de saudade.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Conclusões de um eremita III



"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é"
Eu sei mais da dor.