quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Conclusões de um eremita


"Se hoje brigo comigo é porque misturei-me demais aos outros."


sábado, 13 de dezembro de 2008

O Toque


Ela acordou sentindo-se diferente, apesar de não saber dizer o que, algo nela havia mudado, mas num bom sentido. Talvez porque tenha dormido bem, ou pela ensolarada manhã de domingo, ou talvez pela viagem de trem.
Ela sempre achou os trens incrivelmente românticos, mesmo estes trens modernos que em nada se parecem com as antigas e inspiradoras marias-fumaça.
Parada final: Jundiaí.
Se lembrou da brincadeira com a qual sempre provocava a amiga de lá:
- Muito gostoso ir para o interior de trem!
- Que interior menina? Desde quando Jundiaí é interior?
Oito e meia da manhã, a garota um tanto entusiasmada, um tanto introspectiva deixava São Paulo ainda dormindo, rumo ao clima quase bucólico da pequena cidade vizinha, perguntando-se se chegaria muito tarde para o encontro com a amiga.
Desembarcou do primeiro trem dirigindo-se diretamente à plataforma 2.
O segundo trem é mais encardido, os bancos menos confortáveis. O incômodo do desconforto a afasta ainda mais da atmosfera da metrópole, é curioso que isto acentue sua paixão por viagens de trem.
Apesar de não se imaginar vivendo em outro lugar, ela definitivamente não gosta de São Paulo e quando alguém a questiona sobre o motivo, ela costuma responder que é por causa do frio.
Embarcou assim meio desorientada, com o pensamento longe e sentou-se no primeiro banco disponível. Procurou alguma coisa na bolsa, em seguida sacou um livro.
Abriu bem na página marcada, onde havia uma dedicatória:
“Amor,
ainda que se sinta perdida em meio a multidão de estátuas de mármore
e o frio da tarde chuvosa atresse sua pele cortando-lhe o corpo,
mesmo que cercada de um punhado infinito de formas metálicas e de gigantescas muralhas de vidro
que a fazem sentir cada vez mais gelada,
lembre-se das palavras do poeta:
'O amor é o fogo que arde sem se ver'
E então feche os olhos e sinta: eu estou te tocando.
Num toque quente, sinta seu rosto entre minhas mãos, olhe-me nos olhos.
Veja-me face a face, como nos teus sonhos.
Eu serei sempre o rosto humano em meio as incontáveis faces de mármore.
Eu serei sempre o calor do fogo que te aquece em todos os teus dias.
E saiba que enquanto eu respirar, não faltará a ti o que falta a estes habitantes de andar robótico na terra do metal e do vidro: o toque.”
Fechou o livro deixando cair as folhas umas sobre as outras acompanhando a lágrima teimosa que caía sobre a sua face corada. Estava nervosa, não queria que as pessoas percebessem seu choro.
Enxugando os olhos, ela se concentrou na difícil tarefa de pensar em qualquer coisa que não lembrasse o ex. Não conseguiu. Levantou a cabeça e olhou ao redor para se certificar de que ninguém havia notado aquela lágrima que deixara cair.
Como havia imaginado, ninguém percebeu.
“Não se sinta fria em meio à multidão de estátuas de mármore.”
Novamente sentiu vontade de chorar, mas dessa vez segurou. Mais uma vez percorreu o vagão com os olhos, foi então que viu do outro lado, bem no canto, um garoto moreno, comum, um tanto tímido mas seu rosto não era como os outros, ele a encarava, ou melhor, ele era o único ali que a percebia.
Eles permaneceram alguns instantes assim, se olhando.
Ele fez menção de se levantar, não pensou, apenas caminhou em direção a ela.
Enquanto o garoto desconhecido andava em sua direção, ela pôde perceber em suas mãos algo que logo em seguida julgou ser um DVD, leu o título:
“Antes do pôr do sol”
Viagens de trem são mesmo muito românticas, pensou.
Ele se sentou no banco vazio ao lado dela, olhando-a nos olhos. E assim sem dizer nada, seus dedos foram tocando os dela...
A garota sentiu-se estranhamente completa. Ela nem se quer estava mais gelada.
Apenas um pensamento ecoava, insistente, em sua cabeça:
“O que falta às pessoas é o toque.”
Acordou meio sobressaltada com o trem chegando à estação, fechou o livro e desceu dirigindo-se ao encontro da amiga.