sábado, 13 de dezembro de 2008

O Toque


Ela acordou sentindo-se diferente, apesar de não saber dizer o que, algo nela havia mudado, mas num bom sentido. Talvez porque tenha dormido bem, ou pela ensolarada manhã de domingo, ou talvez pela viagem de trem.
Ela sempre achou os trens incrivelmente românticos, mesmo estes trens modernos que em nada se parecem com as antigas e inspiradoras marias-fumaça.
Parada final: Jundiaí.
Se lembrou da brincadeira com a qual sempre provocava a amiga de lá:
- Muito gostoso ir para o interior de trem!
- Que interior menina? Desde quando Jundiaí é interior?
Oito e meia da manhã, a garota um tanto entusiasmada, um tanto introspectiva deixava São Paulo ainda dormindo, rumo ao clima quase bucólico da pequena cidade vizinha, perguntando-se se chegaria muito tarde para o encontro com a amiga.
Desembarcou do primeiro trem dirigindo-se diretamente à plataforma 2.
O segundo trem é mais encardido, os bancos menos confortáveis. O incômodo do desconforto a afasta ainda mais da atmosfera da metrópole, é curioso que isto acentue sua paixão por viagens de trem.
Apesar de não se imaginar vivendo em outro lugar, ela definitivamente não gosta de São Paulo e quando alguém a questiona sobre o motivo, ela costuma responder que é por causa do frio.
Embarcou assim meio desorientada, com o pensamento longe e sentou-se no primeiro banco disponível. Procurou alguma coisa na bolsa, em seguida sacou um livro.
Abriu bem na página marcada, onde havia uma dedicatória:
“Amor,
ainda que se sinta perdida em meio a multidão de estátuas de mármore
e o frio da tarde chuvosa atresse sua pele cortando-lhe o corpo,
mesmo que cercada de um punhado infinito de formas metálicas e de gigantescas muralhas de vidro
que a fazem sentir cada vez mais gelada,
lembre-se das palavras do poeta:
'O amor é o fogo que arde sem se ver'
E então feche os olhos e sinta: eu estou te tocando.
Num toque quente, sinta seu rosto entre minhas mãos, olhe-me nos olhos.
Veja-me face a face, como nos teus sonhos.
Eu serei sempre o rosto humano em meio as incontáveis faces de mármore.
Eu serei sempre o calor do fogo que te aquece em todos os teus dias.
E saiba que enquanto eu respirar, não faltará a ti o que falta a estes habitantes de andar robótico na terra do metal e do vidro: o toque.”
Fechou o livro deixando cair as folhas umas sobre as outras acompanhando a lágrima teimosa que caía sobre a sua face corada. Estava nervosa, não queria que as pessoas percebessem seu choro.
Enxugando os olhos, ela se concentrou na difícil tarefa de pensar em qualquer coisa que não lembrasse o ex. Não conseguiu. Levantou a cabeça e olhou ao redor para se certificar de que ninguém havia notado aquela lágrima que deixara cair.
Como havia imaginado, ninguém percebeu.
“Não se sinta fria em meio à multidão de estátuas de mármore.”
Novamente sentiu vontade de chorar, mas dessa vez segurou. Mais uma vez percorreu o vagão com os olhos, foi então que viu do outro lado, bem no canto, um garoto moreno, comum, um tanto tímido mas seu rosto não era como os outros, ele a encarava, ou melhor, ele era o único ali que a percebia.
Eles permaneceram alguns instantes assim, se olhando.
Ele fez menção de se levantar, não pensou, apenas caminhou em direção a ela.
Enquanto o garoto desconhecido andava em sua direção, ela pôde perceber em suas mãos algo que logo em seguida julgou ser um DVD, leu o título:
“Antes do pôr do sol”
Viagens de trem são mesmo muito românticas, pensou.
Ele se sentou no banco vazio ao lado dela, olhando-a nos olhos. E assim sem dizer nada, seus dedos foram tocando os dela...
A garota sentiu-se estranhamente completa. Ela nem se quer estava mais gelada.
Apenas um pensamento ecoava, insistente, em sua cabeça:
“O que falta às pessoas é o toque.”
Acordou meio sobressaltada com o trem chegando à estação, fechou o livro e desceu dirigindo-se ao encontro da amiga.

6 comentários:

Heloisa Emy disse...

Oi Marinha!!
Primeiramente: Jundiaí não é tão interior assim... e você adora vir pra cá que eu sei!! rs E que clima é esse que eu não conheço?! São José do Rio Parrrrdo que tem esse clima bucólico de interior. E é muito bom, mágico e ...
Depois: não sei onde que é gostoso andar de trem viu... eu ando de trem várias vezes por semana, indo e vindo da casinha dos meus pais e já to enjoadaaaa!! É chato, demorado, sujo, cheio de gente... *ecatiiii* haha talvez seja pq eu já tenha andado tanto de trem, já tenha feito tantas vezes este trajeto que a graça ou a magia, sei lá, já tenha se perdido!
Gostei da passagem do livro. E concordo, "o que falta às pessoas é o toque"... hoje está tudo tão mecânico que o contato e o carinho estão sendo virtuais...
Eu sei com quem você sonhou, com a mesma pessoa que sonha acordada... ele está vindo em sua direção e aiaiai!!! hahaha ele vai te tocar, de todas as formas mais lindas e intensas que possam existir!
Coincidência o filme, não?!

Beijos querida... fico feliz que a sua viagem tenho te servido de inspiração. Saiba que é sempre bem vinda!

Adoroooo!!

P.S.: que livro é??
P.S.: e exs sempre vem a cabeça mesmo... odeio!! (Y)

Heloisa Emy disse...

Retiro o que disse!!! Não é um texto auto biográfico!! Muito bem escrito, e na minha opinião, para quem anda de trem com frequencia, este perde a graça!
Gostei da passagem do livro, gostei do filme... gostei!

Beijos

Ana disse...

Pois é, o que falta é o toque. Mas talvez o toque não precisa ser literal. Uma palavra, um olhar, às vezes toca mais fundo do que um abraço apertado.

Quanto ao poema, sem sombra de dúvidas, não há descrição melhor, na minha singela opinião, sobre o amor.

Beijos
=)

Renato Tardivo disse...

filme dentro do texto dentro do filme: "estranhamente completa". mto bom.

Fernando disse...

enquanto pudermos sentir o toque, nos sentir feitos de não-mármore, mesmo que este toque não aconteça, ainda valerá a pena.
Só enquanto respirarmos.


Viagens de trem são como a lua e o vinho: botam a gente comovido como o diabo.

Fernando disse...

Eu vi! hahaha...
assim q eu acabei o meu texto fiz meu tour pelos blogs q eu gosto e li o seu. Na hora, eu pensei: putz. Q coincidência.

A grande diferença entre sonho e pesadelo é que um acaba com um alívio e o outro acaba com desejo.

No meu caso o alívio veio junto com vontade. E é verdade. Tirando a parte de correr na rua, eu tenho acordado às 4:01.

Bjo