quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Eu ideal



Ele estava exausto, mas tinha certeza de que se conseguisse dormir jamais teria um sono tranqüilo.
Então voltou pra casa com a cabeça a mil, antecipando a noite que passaria às claras, tentando descobrir onde errou, ou pior, não aceitando o erro.
Não sabia se o cansaço era proveniente da insônia ou a insônia do cansaço, a verdade era que ele não sabia mais, estava desarmado diante si mesmo.
O problema não era a nota "baixa", que seria a responsável por essa noite mal dormida, o problema eram as outras noites.
Enfim a cabeça pesada, pulsando de frustração, despencou sobre o travesseiro, e o corpo rígido, virava de um lado para o outro na cama, sem encontrar posição.
Não queria mais pensar, mas o "não querer" o fazia pensar ainda mais.
Aos poucos se dava conta de algumas coisas que faziam outras tantas ficarem ainda mais privadas de compreensão, ele havia se resumido a isso: caos.
Estava difícil controlar as idéias que pulsavam incessante e repetidamente em sua cabeça. Não ter o dez, não ter namorada, não ter um carro, não ter, simplesmente não ter. Pela equivalência neurótica, lembrava das aulas sobre psicanálise, não ter é não ser.
Estava claro como nunca que, apesar de não saber quando nem como, ele havia se tornado um obsessivo sufocado por um severo sentimento de inferioridade do qual tentava desesperadamente se defender, a cada ato.
O cabelo impecável, a compulsão por sapatos, a preocupação descomedida com as roupas que jurava não ter, as horas de estudo, os gastos irrefreados com presentes, a necessidade aflita de agradar, as incansáveis revisões de tarefas, a fixação pelo reconhecimento.
Você é um lixo – uma voz lá dentro dizia - Você está todo corrompido, estragado. Disfarce o estrago antes que os outros percebam.
E quanto mais tentava disfarçar, mais temia ser descoberto. Inútil.
De fato, essa noite ele não dormiria.
E nas outras também não, não enquanto as retóricas que ecoavam dentro de si (e que insistia em projetar) permanecessem sem resposta. Mas o problema é que retóricas não buscam respostas.
“A quem se dirige a pergunta?”
A quem quer que seja capaz de não tentar respondê-la. Como não saber incomoda, frustra, continuo buscando saber mesmo sabendo que jamais saberei. Saber é ter e ter é ser. Assim, a falta é o que impulsiona a vida.
E volto à primeira pessoa, afinal a essas alturas você já deve ter percebido o óbvio: o rapaz sou eu, apesar de, “paradoxalmente”, ser uma garota.
O motivo pelo qual tenho me colocado numa posicão masculina já não é mais uma incógnita pra mim, pelo menos em termos. Mas como eu havia dito, as conclusões são capazes de dar margens à tantas outras dúvidas, das quais grande parte permanecerá em caráter de dúvida.


E, mesmo depois de tanto esforço, o dez não veio. Mas por que mesmo eu precisava dele?
Para provar o quanto eu sou boa?
Provar pra quem?

6 comentários:

Mari!! disse...

Eu, no fim das contas, acho que não existe um ´eu ideal´ e valores completamente relativos. Mas na condição de humanos (e errantes) que somos, tais comportamentos como os descritos são absolutamentes normais, e aceitáveis, também.
Cabe a você filtrar o que quer realmente para a sua vida, ou não...






E quanto aos coments que você deixou...
*Renato Russo é, de longe, meu maior ídolo. Não há ninguém a frente dele e acredito que assim será por muito tempo!

*Tenho MUITAS fotos com o Anitelli, tive uma fase ´raruxa total´ e fui a bastante shows dO Teatro Mágico.

*E minha filha... Ah, ela é ela e simples assim. Ser mãe ainda é algo indescrítivel, que vira e mexe, tento por palavras para tal, mas em vão...


Um beijo!

Mari!! disse...

Volte sempre que quiser...


Gosto de escrever para mim, mas gosto de opiniões diversas, também...

:D

Já virei seguidora e tudo, do seu. E acho que você escreve divinamente!


Um beijo!

Renato Tardivo disse...

o dez se esconde, humilde, neste excelente texto. mas quem sou eu, afinal, para tal julgamento? diferentemente do que pensam muitos conhecidos, não sou professor de psicanálise, rs. ah, esses ideais... parabéns!

heloisa disse...

Bakaaaaaaaaa!!!! Eu li seu texto assim que você postou, mas nao tive tempo para cometar... e não, nao vou faze-lo agora! mas só pra marcar presença... rs.. eu escrevi algo, em breve posto.

beijo...

só adiantando: gostei do texto

Heloisa Emy disse...

Oi marinha!!
pronto! to aqui pra comentar...
realmente esse é um dos seus melhores textos... mas acho que fica complicado comentar, já que estou tão perto dos fatos. mas ao mesmo tempo fica fácil, já que tenho uma visão tão particular sobre você.
enfim, não posso concordar 100% com o tal sentimento de inferioridade do qual você fala. sim, você é obsessiva por notas, perfeição e sapatos... mas não acredito que isso tenha como motivo a inferioridade. tem algo muito mais baixo que isso. mas quem sou eu pra dizer né. é só uma visão minha.. tenho outras, mas são muito pessoais para colocar aqui, num comentário.
pare de tentar alcançar sempre o 10, pare de tentar alcançar a perfeição, o ideal... é como você disse, a falta é o que impulsiona a vida! seguindo a mesma linha do seu texto, admita a sua posição de sujeito faltante. você é!
olha, não saiu como eu queria mas tá aí o comentário... gostei do texto de verdade, ele passa muito sobre você..

te admiro. você é incrível e muito mais.

beijos!

ps.: quanto a esse 10, a culpa foi minha, então, não se culpa. desculpe ai...

Unknown disse...

Acho que é por esses pequenos detalhes que gosto tanto de você! Às vezes me vejo em você, nem sempre, mas quase sempre em seus textos. Somos iguais? Parecidos? Ou só com as mesmas neuroses...?

Gosto tanto de seu estilo literário! Gosto tanto das palavras que usa e da forma que as compõe! Gosto tantos dos assuntos que aborda e das tratativas dadas a eles!

Minha escritora predileta.. beijos